- Gênero: Terror, Drama
- Direção: Zach Cregger
- Roteiro: Zach Cregger
- Elenco: Julia Garner, Josh Brolin, Amy Madigan, Alden Ehrenreich, Cary Christopher, Benedict Wong, Austin Abrams, Whitmer Thomas, Callie Shuttera, Justin Long
- Duração: 125 minutos
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Não existe frase mais escrita em posters, a cada novo ano, do que ‘o melhor filme de terror do ano’, que parece ser repetida por cada distribuidora a cada nova temporada. Com A Hora do Mal, tal expressão não colou nos cartazes, mas talvez tenha ocorrido ainda pior – essa afirmação partiu da crítica, quase no mundo todo. Em uma semana de exibição, o novo filme de Zach Cregger já acumulou 100 milhões de dólares, tendo custado 40% desse valor. Sim, estamos tratando de um fenômeno na maior parte dos sentidos, e isso não se pode negar. Mas uma análise cinematográfica não é medida por dados, e sim pela subjetividade alcançada por cada autor que impõe sua versão de cada uma dessas certezas.
Cregger dirigiu um dos mais bem sucedidos filmes do gênero recentes, Noites Brutais, e por conta dessa experiência, a expectativa para o novo filme estava na estratosfera, o que se cumpriu com a relação do público a esse. Creio que ambos, no entanto, são obras acima da média, que carecem de uma burilada maior em seu roteiro, talvez até mais no anterior do que aqui. O que acontece em A Hora do Mal é algo que venho observando em outros projetos, e assumido em produções atuais (como o vindouro brasileiro Antártida), que é a desconstrução de uma obra de um formato para outro. Isso porque muito do que é proposto aqui seria ainda mais sofisticado se aplicado no universo da minissérie, e o que vemos parece ser uma abreviação de uma ideia maior.
Não são ideias ruins, definitivamente. Mas o filme pronto, A Hora do Mal da forma como foi apresentado, soa como um produto pela metade, onde a identidade parece ter sido perdida nos seus excessos. O ponto de partida da estrutura é boa, e já esteve em outras obras: seus personagens protagonizam cada um dos capítulos no qual o filme se divide. É uma decisão relativamente simples, que serve para trazer a narrativa de maneira segmentada, onde o mosaico só seja completo para a apreciação do todo. Assim sendo, todos são centrais em suas vidas, e o filme consegue dessa maneira humanizar todos os que passam em tela com a tarefa de domar aquele quadro geral.
Para os padrões gerais da indústria, passar das 2h de duração é um desafio para prender o espectador e programar uma boa quantidade de sessões. No caso do filme de Cregger, essa é uma duração que evidencia a impressão acima, de que não vimos a obra que foi pensada em sua totalidade. Porque, mesmo com esse tempo todo dispensado a ele, o filme se divide em dois tomos – uma primeira parte dramática, e uma segunda mais voltada ao cinema de gênero que é o chamariz da obra. O resultado lembra outros títulos em formato longo, como Mare of Eastown e Segredos e Mentiras, com os ambientes de um lugar menor sendo assolados por um crime misterioso. O mais grave, no entanto, é o quanto A Hora do Mal deixa de apresentar nesse espraiamento proposto, deixando todos segmentos com ausência de informações.
Apenas a segunda incursão cinematográfica do seu diretor, A Hora do Mal demora para alcançar uma brecha em seu conjunto que justifique tamanha empolgação. Na metade do filme, essa fricção enfim surge, e o filme enfim ganha contornos que vão além da sugestão propriamente dita. É quando a produção parece se livrar de um esquema arregimentado de maneira protocolar, para ganhar as características que melhor descrevem os filmes de gênero; um arranhão na superfície tradicional, uma ruptura com o que se imagina natural. A imagem surge, a princípio, como um arranjo subliminar para avolumar-se na tela – é chegada a hora de tia Gladys, vivida de uma maneira germinal por Amy Madigan, que tal qual uma erva daninha, colore e corrompe o que assistimos.
Às vésperas de completar 75 anos, Madigan foi indicada ao Oscar uma única vez, há 40 anos atrás; merece voltar ao grupo de melhores do ano outorgados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como a presença que redefine o que estamos assistindo aqui. Podemos dizer que A Hora do Mal tem outro sabor antes da entrada em cena da atriz que nunca viu sua carreira tão imensa quanto a juventude prometeu. Brilhante em Ruas de Fogo, Um Lugar no Coração, Roe vs Wade e no seu veículo para prêmios Duas Vezes na Vida, Madigan provavelmente aqui tem a performance de sua vida, encarnando uma das espécies de referência que Cregger quer imprimir na tela, para homenagear o horror. A partir da chegada de sua personagem, o filme ganha a coloração mais acertada possível, em momentos que definem uma atriz para a posteridade.
A presença de Madigan é um dos canais que a direção e o roteiro escolheram para homenagear (ainda que de maneira sensorial) a história do cinema fantástico. São óbvias as citações a O Iluminado, O Bebê de Rosemary, a obra de Cronenberg (Scanners) e John Carpenter (o remake de A Cidade dos Amaldiçoados), criando um banco de imagens que remete ao que Creggers cresceu assistindo, na infância. É, a partir de sua metade, que A Hora do Mal cria a narrativa para estar no lugar que pretende, e ainda que não alcance, é um lugar de respeito para um cinema que, mesmo considerado maldito e menor, continua salvando o cinema ano a ano – e isso sim é clichê que precisa ser lembrado sempre.
Um grande momento
A chegada de tia Gladys