- Gênero: Drama
- Direção: Philip Martin
- Roteiro: Peter Moffat, Geoff Bussetil
- Elenco: Billie Piper, Gillian Anderson, Keeley Hawes, Rufus Sewell, Romola Garai, Richard Goulding, Connor Swindells
- Duração: 100 minutos
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Philip Martin tem mais experiência em séries de tv do que em longas metragens, mas seu trabalho nesse novo A Grande Entrevista, que acaba de estrear na Netflix, tem tanta substância, é um produto tão suculento sob muitos aspectos, que nos perguntamos porque ele não trabalha mais – no caso, além da tv. Premiado diretor de The Crown e Prime Suspect, Martin tem 30 anos de experiência até chegar nessa produção baseada em fatos e que descortina uma situação muito específica envolvendo a Família Real britânica, ou um de seus membros. Como nas melhores produções (o que no caso de casos verídicos, é a menor proporção), não importa o tema, não interessa muito ao Cinema sobre o que está sendo falado. É a construção dramático-narrativa, sua constituição de planos e certas determinações autorais que devem mover o olhar da análise.
Confesso que não sou exatamente interessado nos escândalos gerados pela Família Real, ou tenho interesse particular pela vida privada de famosos a ponto de me debruçar nisso por dias. Logo, as relações (escusas) do Príncipe Andrew, o fato dele ser irmão do Charles e como se desenvolveu a amizade dele com Jeffrey Epstein me passaram em translúcidas nuvens ao longo da década anterior. Por isso a afirmação do parágrafo inicial era tão precisa quanto aos eventos – eles são esclarecidos com facilidade pelo próprio filme, e embora sua narrativa trabalhe o desenvolvimento daquele personagem, não é exatamente sobre isso que deveria ser feito um filme. Embora saibamos como as premiações têm apreço por biografias e eventos verídicos, A Grande Entrevista encara isso como um processo sem estardalhaço.
A prova dessa ideia é em como o filme tem pouco interesse na grandiosidade das coisas, a não ser que sua intenção seja contextualizar os fatos. No palco que se monta na frente das câmeras, está em cena um jogo quase que essencialmente feminino sobre manutenção de poder, e de como nossos passos podem designar uma certa curva do destino. O príncipe aqui é quase um peão em um jogo que precisa revelar o futuro de três mulheres principais, e outras tantas à sua margem. Sam McAlister, Emily Maitlis e Amanda Thirsk estão em órbitas diferentes, e querem propósitos conflitantes umas às outras; eventualmente, algo parecido como uma coalizão precisa ser feita e que parece unir suas visões, mas isso só acontece no clímax de A Grande Entrevista. Fora dali, o quadro é individual para mostrar seus focos.
Embora tenhamos três perfis diferentes de personagens cruzando uma fronteira inusitada em seu habitat natural, é a Sam de Billie Piper quem tem mais espaço, a começar pelo fato de que o livro no qual o filme se baseia foi escrito por ela. Dessa forma, é seu olhar e suas ações que anseiam desbravar o mundo para si, o ponto de onde partimos e para onde as flechas estão direcionadas. Pensando no que poderia ser uma Erin Brockovich moderna, o filme de Martin não coloca essa mulher em posição de desvantagem junto às outras, mas seu emblema pessoal transmite muito do que é sua personalidade, e isso a derruba de maneira natural. Sem um confronto detalhista sobre o que lhe aflige, ainda assim A Grande Entrevista lhe revela e protege sua postura. Tanto Emily quanto Amanda parecem pontes para que ela chegue até os seus 15 minutos – mas não há reducionismo narrativo, as outras duas personagens estão inteiras em cena.
O trabalho tanto de Piper e de Gillian Anderson estão em pêndulos diversos, um mais introspectivo como contraponto ao que se apresenta visualmente, e a segunda mais extravagante embora não tenha a ver com a persona que ela encarna. É um jogo duplo muito rico, que eleva ainda mais o jogo proposto pelos roteiristas. Ainda assim, os olhos do espectador em A Grande Entrevista são hipnotizados por Keeley Hawes e Rufus Sewell. Interligados, esse duo é fascinante porque tudo entre eles é contraditório – os olhos dizem algo, as ações outras coisas, o resultado é um terceiro momento. Não lembro do trabalho de Hawes, mas o que vejo aqui é muito intuitivo e bonito, com belas miradas para Piper. Já Sewell… bem, um canastrão até outro dia, aqui me parece uma entrega daquelas maiores que carreiras. Seu lugar não é fácil nem confortável, mas ele tira a ingrata tarefa de dar luz a esse homem absolutamente dúbio de maneira espetacular.
Na sua parte, Martin constroi um filme cheio de esfinges. Nos rostos dos atores, nas imagens que ele produz, nada parece ter sido criado para ser decifrado a priori, mas o jogo fica com o público, que não consegue se livrar dos códigos. Eles estão na reprodução da grande cena do filme, na forma como cada detalhe é capturado pela fotografia, no jeito como ele ilumina seus ambientes. Existe uma cena ótima sobre a escolha da temperatura da iluminação, que me parece retirada de um momento do set real, porque A Grande Entrevista exala a temperatura que deseja ter a cada novo encontro, a cada nova cena. Sair da sessão com a certeza de uma surpresa verdadeira, daquelas pérolas que a Netflix insiste em esconder.
Um grande momento
A preparação, de par a par