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A Milhões de Quilômetros

Escrito nas estrelas

(A Million Miles Away, EUA, MEX, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Alejandra Márquez Abella
  • Roteiro: Bettina Gilois, Hernán Giménez, Alejandra Márquez Abella
  • Elenco: Michael Peña, Rosa Salazar, Bobby Soto, Julio Cesar Cedillo, Veronica Falcón, Garret Dillahunt, Jordan Dean, Sarayu Blue, Michelle Krusiec
  • Duração: 120 minutos

Para cada Golda e Milk, biografias que tratam apenas de um período específico da vida do retratado, existirão sempre muito mais filmes se prestando a mostrar infância, adolescência e vida adulta de alguém. Esse é o caso de A Milhões de Quilômetros, que acaba de estrear na Prime Video e conta a história de José Hernández, imigrante mexicano cujo sonho era se tornar astronauta, o que viria a acontecer apenas 30 anos após a idealização desse propósito. Quem acompanha meu trabalho, sabe do que penso a esse respeito, e os motivos pelo qual penso estão exemplificados à perfeição nessa nova produção, que atrapalham a fruição da narrativa. Ainda que isso não seja preponderante para o público a qual o filme é destinado. 

A cineasta Alejandra Márquez Abella é experiente, tem vários filmes no currículo e a participação em Narcos: México, mas sentimos que esse é um produto maior que ela. Sua sensibilidade em conseguir envolver o espectador em uma história que é sim inspiradora está impressa, e o filme tem uma divisão de roteiro interessante, que segue os preceitos que o pai do protagonista legou ainda em sua infância. Essas inserções, que não podemos chamar de autorais, mas que sim produzem uma fatia de diferenciação ao projeto, não são suficientes para que A Milhões de Quilômetros encontre uma voz dissonante, enquanto projeto cinematográfico. Sua comunicação popular, no entanto, é inegável; trata-se de um produto com nome e endereço certos, exatamente a quem agradar. 

Uma das coisas mais importantes que A Milhões de Quilômetros faz é a luz que o filme joga sobre Michael Peña. As 47 anos, o astro de Crash raramente foi figura central de uma produção, e quando o fez, era dividindo protagonismo, com Nicolas Cage, Jake Gyllenhaal, ou algum outro. Aqui, seu protagonismo é absoluto, e isso não deixa de ser uma espécie de  reconhecimento aos serviços prestados à indústria desse ator que já demonstrou seu talento tantas vezes. Não lhe faltam predicados que deixem de ser mostrados aqui, e mesmo que Hernández não lhe dê um momento para brilhar, uma daquelas cenas de isca de Oscar como são comuns em biografias, é a delicadeza e o carisma de Peña que nos faz aconchegar no filme. 

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A própria figura de Hernández é algo a ser celebrado, ainda que muito mais pelos aspectos sociais, e isso não caiba muito bem em um texto crítico de cinema. Mas sendo A Milhões de Quilômetros uma produção com uma proposta de elevar a auto estima latina, a figura do bóia fria que chegou à faculdade contra tudo e todos, até realizar seu sonho espacial, é do tamanho que o cinema pede. Ao redor dessa história de vida, está um filme que se cerca de profissionais latinos onde possa se olhar, é mais uma prova de que existe sim um lugar para esse filme, que está ocupando uma fatia de mercado, assim como Besouro Azul. Mas, diferente do blockbuster da DC, isso não é repercutido aqui no que poderia ser uma busca estética para o filme, e isso acaba por se tornar uma questão. 

Histórias de perseverança, obstinação e crédito particular sempre serão de muita carga dramática, mas outro incômodo de A Milhões de Quilômetros é no quanto ele constrói esse mecanismo no filme. São informações dadas que a fôrma de uma adaptação de eventos reais recai com frequência, e que cito no início do texto como sendo um problema verdadeiro. Porque o tempo do cinema é menor do que a importância de qualquer vida, e para caber na totalidade as curvas que uma existência real tem, dá-lhe saltos temporais que nos afastam de criar apego emocional às ações. Isso é um problema da montagem, mas principalmente é um problema da estrutura narrativa, que não tem outro arcabouço para acampar a quantidade de eventos necessários para nos aprofundarmos de verdade àqueles tipos, ao mesmo tempo que arremessa na nossa direção uma disposição incontável de fatos.

A sensação é agridoce ao fim de A Milhões de Quilômetros, um título que pouco tem de memorável, quando pensamos em seus aspectos fílmicos, mas que nos envolve em seus clichês de superação de adversidades. São elementos que transformam a sessão do filme em uma tarde prazerosa ao lado de personagens mais do que queridos (Bobby Soto é outra figura que merecia mais espaço de tela aqui, com sua composição muito feliz), mas que ainda se tornam reféns de práticas ancestrais das biografias, que prejudicam qualquer análise.

Um grande momento

Sra. Young

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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