- Gênero: Drama
- Direção: Alán González
- Roteiro: Alán González. Nuri Duarte
- Elenco: Lola Amores, Jean Marcos Fraga Piedra, Isora Morales, Grisell Monzón, Yaitê Ruiz, Leandro Sen, Afrodreak, Yailin Coppola, Leidyz Chiv
- Duração: 93 minutos
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Yolanda está em transe no primeiro momento em que a vemos; dança como se não houvesse ninguém ao seu redor. E é essa a sensação que o filme quer estabelecer com o espectador – estamos diante de uma mulher não necessariamente selvagem na expressão literal do termos, mas definitivamente em um instantâneo de solidão. A Mulher Selvagem, como o filme é batizado, parte de um lugar de proximidade daquele corpo com a narrativa que se desenha. Nenhuma explosão é gratuita ou sublinhada, mas todas elas partem do princípio de que estamos diante de uma figura que já percebeu que não pode contar com ninguém para seguir adiante. Que ela siga arrastando tudo o que atrapalha seu caminho, mediante resolver o que precisa ser resolvido, é um ponto pacífico que o filme rapidamente deixa claro.
Apesar de permitir que entremos de maneira abrupta no universo no qual permaneceremos pelas próximas duas horas, o Cinema não costuma fazê-lo sem que, de maneira mais ou menos didática, fiquemos a par das situações apresentadas. Nesse sentido, o movimento que A Mulher Selvagem faz não poderia ser mais refrescante. Yolanda não está em uma situação óbvia de apresentação, nem seus conflitos; o espectador é arremessado em um redemoinho de eventos e ações que não exatamente explicam o contexto completo. Sem a preocupação de educar a percepção do público diante do que é visto, o filme conquista uma liberdade que é rara de acompanhar, e para isso livra-se de qualquer aspecto paternalista na madeira de contar uma história.
Essa armadura criada por Alán González para sua obra possibilita mais do que algo como experimentação, mas um campo de comunicação onde o naturalismo seja peça conectada ao artifício. A Mulher Selvagem tem prazer em ser refém de uma catarse natural em sua construção, quando todos os elementos convergem para o conflito em camadas traçadas com sutileza. É, por assim dizer, um encontro entre mundos disparatados, onde o cotidiano é, por si só, uma extensão do caos (vide títulos como A Festa de Léo, por exemplo). Aqui, ao contrário de qualquer outra obra que se aproxime, está esse desprendimento com as convenções tradicionais. Nossa conexão com o que vemos parte da comunicação da protagonista com a câmera, do qual ela nem vampiriza; esse fascínio é coletivo, o que permite ao espectador uma doação com o desconhecido.
Ainda que estejamos em rota paralela à compreensão, A Mulher Selvagem também não pretende o hermetismo. A maneira como o espectador absorve o que é mostrado é quase orgânico, sem que alguma concessão fosse feita para tal entendimento. O que nasce dessa experiência é essencialmente cumplicidade com uma trajetória, onde nosso elo de ligação é estabelecido através da ação, e não da motivação. Essa segunda acontece gradualmente e nem é exatamente esclarecida em sua totalidade; quem assiste absorve o que consegue, e o resto (ou melhor, alguns detalhes) segue como algo fantasmagórico dentro de um registro do ordinário. Ainda que incomode alguns, essa montagem de eventos onde muitas peças do quebra-cabeça permanecem ocultas é bastante eficaz em nos encantar.
O que sai dos trilhos é justamente quando o filme se aproxima de um lugar de proximidade. Conforme Yolanda conduz o espectador rumo a rememoração de seus próprios conflitos através dos encontros, o filme não consegue ter êxito tanto quanto mantinha a escuridão. O roteiro, com tanta força quando deixa o esclarecimento longe do campo, perde sua força principal não quando explica o que vemos (isso não acontece explicitamente), mas quando tira da produção suas incertezas. Fica a instrumentalização da agonia em seus melhores momentos, que sempre eclode no volume mais agudo, e que não é correspondente quanto mais grave for a comunicação.
Isso tudo ainda consegue uma amplificação maior porque concentra sua fonte de energia ao máximo, quando expõe quem assiste a imprevisibilidade. Com uma atuação comprometida de Lola Amores e uma participação maravilhosa de Jorge Perugorría (do clássico Morango e Chocolate), o filme ainda nos presenteia com as contradições de Cuba, quando parece refletir suas ações no filme e em sua protagonista. Dos celulares modernos aos carros de 60 anos atrás, o país mostra que seu cinema está longe da hibernação.
Um grande momento
O culto