- Gênero: Documentário
- Direção: Bao Nguyen
- Elenco: Lionel Richie, Michael Jackson, Bruce Sprignsteen, Cindy Lauper, Stevie Wonder, Ray Charles, Diana Ross, Dione Warwick, Sheila E, Bob Dylan
- Duração: 96 minutos
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Seria fácil imaginar que A Noite que Mudou o Pop nos cansaria de alguma maneira, ou de muitas. Recém exibido em Sundance, o filme fez sucesso por lá e logo se transformou também em sucesso na Netflix. Felizmente, podemos relaxar com as expectativas de um tema tão curioso, onde o documentário finca sua bandeira: os preparativos para uma madrugada histórica, onde seria gravada mais do que uma música, um hino – ‘We Are The World’. Para os anos 80 em específico, um dos maiores hits daquela década e uma das músicas mais ouvidas, tocadas, e vendidas da História. Infelizmente, o filme deixa um sabor de ‘quero mais’ praticamente em todos os lugares para onde olha, e vou dizer que é um número praticamente infinito de lugares.
Apesar de contar com um esquema tradicional de documentário, as cansativas ‘cabeças falantes’ que só transformam qualquer material em especial do ‘Globo Repórter’, A Noite que Mudou o Pop é suficientemente interessante para garantir nossa conexão com o que estamos vendo independente do modelo. Esse é o segundo trabalho na direção de longas de Bao Nguyen, que vinha de um doc a respeito da obra de Bruce Lee. Como lhe falta experiência para comandar uma produção que contava algo tão marcante acontecido há quase 40 anos, é fácil de imaginar que o modelo estava decidido independente de sua presença, e era o escolhido pelos produtores para contar tais eventos. No fundo, esse é um daqueles filmes que funcionam como se você estivesse em um bar ouvindo de um grupo de pessoas histórias do passado.
A diferença entre exemplo e A Noite que Mudou o Pop é que o tal bar é um dos melhores estúdios de gravação de Los Angeles, e quem está te contando tais casos são tipos do naipe de Lionel Richie, Bruce Springsteen, Cindy Lauper e tantos outros. Para alguém que cresceu ouvindo USA for Africa como eu, o filme – que tem duração curta – passou como uma flecha, não me incomodando com a duração de forma alguma, a não ser para perceber que estávamos indo rápido demais na maior parte das histórias. São muitos ídolos, histórias de cada um deles para contar, muitas felizes e algumas poucas desconfortáveis (Sheila E é uma personagem que saímos do filme sem esquecer), e em comum está o fato de que todas efetivamente devem render horas e horas de detalhes ainda mais saborosos.
A Noite que Mudou o Pop é dividido em duas partes, podemos dizer. A primeira engloba a ideia do projeto sendo apresentada e desenvolvida, o grupo de artistas sendo pensado e convidado, a composição sendo gestada entre Richie e um certo Michael Jackson, e as problemáticas de logística, produção e bastidores. A segunda parte é o encontro entre si, a tal madrugada que não poderia ser repetida, todos os aspectos que tornavam cada um daqueles ídolos únicos e a forma como cada um se envolveu na gravação propriamente dita. O material histórico não tem preço que pague, e tirando as qualidades em si, não se difere em nível do apresentado em Elis & Tom. Ao espectador, cabe salivar a respeito de ter contato com cada fofoca, e poder acompanhar ao alcance do nosso toque lendas da música em momentos frugais, completamente humanizados.
Ainda que ‘We Are the World’ seja uma canção imortalizada há décadas, não faço ideia se as novas gerações teriam tanto interesse em conferir esse material quanto tiveram em, por exemplo, Miss Americana, documentário sobre os processos artísticos de Taylor Swift. O acredito bastar é o fato de de verdade estarmos diante de algo tão singular em todos os sentidos, na constituição de uma ideia, no processo de trabalho de alguns dos mais célebres ídolos musicais da História, de uma preparação e efetivo acontecimento que tinha mais chances de dar errado que certo, que o fascínio vem sozinho acompanhando o todo. De muitas formas, A Noite que Mudou o Pop é o registro raro de um evento que surgiu como algo mais conciso e que ganhou contornos cada vez mais mastodônticos, a ponto dos causos acontecidos terem tanta substância quanto os não acontecidos. Ninguém perde por esperar ao todo o evento particular em torno de Prince, por exemplo.
Por fim, a constatação de que figuras imortais quanto Stevie Wonder e Bob Dylan sofrem das mesmas dúvidas e ansiedades que nós, mortais, não é algo que fosse difícil de imaginar. O mais complexo é agora ter um registro da prova dessa humanidade, e nos aproximarmos, ainda que em escala muito menor, de suas manias e defeitos, é um prato que vai além do campo do mexerico maldoso. A Noite que Mudou o Pop mostra que, mesmo um hino, é criado por pessoas de carne e osso, e que suas presenças são tão magnéticas quanto suas ausências. Com todas as limitações da forma como o projeto escolheu para se apresentar, esse é um daqueles casos onde poderíamos pedir para que tão cedo não acabasse tudo o que estamos vendo. Só nos resta entender as lágrimas de Diana Ross ao final de tudo.
Um grande momento
Dylan empacado, Wonder é a salvação