- Gênero: Drama romântico
- Direção: Julia Rezende
- Roteiro: Patrícia Corso, L. G. Bayão
- Elenco: Letícia Colin, Bárbara Paz, Dan Ferreira, Túlio Starling, Dani Ornellas, Priscila Reis, Louise Cardoso
- Duração: 110 minutos
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Julia Rezende tem uma filmografia das mais interessantes atualmente, que descortina camadas de relações contemporâneas em cima de produções calcadas no mercado. Ou seja, dentro do que o cinemão nacional produz, com a preocupação em encontrar o grande público, a jovem diretora tenta bifurcar esses caminhos levando mais do que uma pitada de reflexão aos títulos que têm capitaneado. Chegamos então a A Porta ao Lado, que estreia essa semana para encontrar uma brecha entre os lutadores de boxe e os heróis voadores do momento. O tema continua sendo essa investigação sobre os relacionamentos a partir de um viés da contemporaneidade, aqui sendo o recorte acerca dos arranjos fluidos da paixão. A partir do encontro entre dois casais, um monogâmico e outro adepto do amor livre, o filme se desenha.
Escrito por Patrícia Corso e L. G. Bayão, A Porta ao Lado tem uma estrutura de alternância entre o momento atual e um passado necessário para preencher lacunas de situação, que funciona bem desde a abertura, claramente um recorte de um tempo onde as coisas já desandaram coletivamente. Rezende sabe resolver visualmente seus longas, e continua sendo muito cuidadosa com os planos e a arte geral; nunca estamos diante de um “filme feio” ou mal produzido. O que nos frustra aqui, pela primeira vez em sua carreira, é que o roteiro à sua disposição se desfaz conforme avança a ação, e a personagem que conduz a espinha dorsal dos questionamentos do filme não consegue se sustentar junto com o que já parecia menos funcional.
Mari têm um belo desenho. É uma jovem chef realizada com um restaurante que seu marido Rafa montou pra ela, mas que o casamento já demonstra sinais de desgaste. Isso se reflete na forma como a personagem se relaciona com a mãe e com o casamento dos pais, que vive um processo de falência há décadas sem chegar a ruir de vez. Mari é a imagem da insegurança amedrontada em se tornar um espelho da mãe, que sem querer pode estar se encaminhando na direção de um pai que igualmente desaprova. Essa contradição é uma fonte de acerto ao filme, mas é provável que essa seja dos únicos arcos que funcionam plenamente em A Porta ao Lado, enquanto as contradições dos outros personagens deixam de fazer sentido mais rápido.
Personagens dúbios constroem uma dramaturgia, mas uma obra correrá o risco dessa dubiedade atravessar os limites da construção dos tipos e corromper também a narrativa. É o que acontece em A Porta ao Lado, tendo em vista que as soluções encontradas para o roteiro comprometem sua base, quando simplesmente os predicados passam a não ser complementares, mas por anular camadas apresentadas anteriormente. Os eventos se sobrepõem e o que era potencialmente promissor, acaba se mostrando desordenado, que inclusive não aponta para uma apreciação ou entendimento real dos conceitos do poliamor, mais se aproximando das relações líquidas, ainda que todos os conceitos sejam mal apresentados.
Por fim, mesmo Mari sendo tão mais complementada que os outros, acaba sucumbindo diante de incongruências. Um exemplo é o estremecimento que a personagem tem com a relação dos pais, e que exatamente isso pautou a maior parte de seus receios, de suas inibições e suas negativas emocionais. Pois em determinado esses pais fazem aniversário de casamento, Mari e Rafa vão e… somente somos apresentados à personagem materna, em uma cena absolutamente canhestra onde as personagens se refugiam na cozinha, e o pai – figura decisiva em muitas questões da protagonista – sequer é visto. Não há outra palavra pra definir isso se não incompreensível, e um dos pontos que ajudam a prejudicar toda a narrativa, que fica incompleta e inexplicável.
Outra característica comum ao trabalho de Rezende é sua comunicação com o elenco, e sua direção de atores, em média bastante alta, vide Como é Cruel Viver Assim, onde todos são uniformemente excelentes. Graças ao desacerto de seu roteiro, isso não consegue se repetir em A Porta ao Lado, e o principal prejudicado é Dan Ferreira, que sempre parece entregar um tom diferente do que era necessário, pra mais ou pra menos. O desempenho mais crescente do quarteto é o de Túlio Starling, que parece compreender o tipo mais fácil de conjugar do elenco e soar crível em todas as suas viradas. Mesmo Letícia Colin, que repete com Bayão e Rezende a parceria de Ponte Aérea, não alcança o momento de brilho que experimenta na carreira, e aqui parece constantemente perdida, e desperdiçada. Bárbara Paz também já esteve em melhores momentos, sua personagem tem um discurso que a atriz não parece comprar.
Não é com prazer que observei os contornos de A Porta ao Lado serem negligenciados, em nome de uma aparente falta de pesquisa com o material humano que foi apresentado; há muita culpa envolvida em um processo que tradicionalmente deveria abdicar disso, pelo menos um dos lados. Todos aqui já estiveram em momentos superiores, e o que salta é um filme que carecia de mais revisões de seu roteiro, e de uma compreensão extra dos envolvidos para com as costuras interpessoais criadas no projeto. Uma produção que tentamos a todo momento abraçar e acarinhar, mesmo que ele insista em fugir de nossa dedicação empática.
Um grande momento
Mari vai embora do apartamento de Rafa… e precisa voltar
Vi o filme hoje. Não me agradou, mas acho que tem algo de bom apesar das fragilidades evidentes. O que é bom? Por exemplo, a questão das relações abertas , a tentação e a dificuldade de vivê-las. O casal mulher branca , marido preto. A mulher que teme repetir o casamento desastroso dos pais.