Crítica | Streaming e VoD

A Descoberta Perfeita

O conto de fadas possível

(The Perfect Find , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Numa Perrier
  • Roteiro: Leigh Davenport
  • Elenco: Gabrielle Union, Keith Powers, Gina Torres, La La Anthony, Aisha Hinds, Janet Hubert, Shayna McHayle, Sterling Brim, D. B. Woodside
  • Duração: 95 minutos

Comédias românticas produzidas para o público preto estadunidense existem com sucesso há pelo menos três décadas, de onde vimos sair títulos como Amigos Indiscretos, No Embalo do Amor e tantos outros. Mas um título ao menos ficou marcado no período, A Nova Paixão de Stella, filme do qual esse A Descoberta Perfeita, mais um sucesso Netflix, pega emprestado ao menos a espinha dorsal – mulher mais velha se apaixona por rapaz bem mais jovem. Ao redor disso, é construído algo que talvez nunca tenha sido feito pela comunidade, mais especificamente pela mulher preta: porque um conto de fadas romântico preto não foi feito? Eu estou falando de histórias como Uma Linda Mulher, onde um homem responde ao chamado emotivo de uma mulher que combine com ele. 

Talvez eu tenha a resposta, e o filme também a forneça. Diferente de uma mulher branca, a mulher preta nunca se viu tratada como princesa historicamente, e precisou lutar para ter privilégios que, muitas vezes, ainda não chegaram. Hoje, nenhuma mulher sonha com o príncipe encantado que a tire de um mundo de sofrimento, mas filmes como os de Garry Marshall citado acima já estiveram na cabeceira de adolescentes do mundo todo. A Descoberta Perfeita, então, tem os contornos de um conto de fadas, mas assim como Stella há quase 30 anos, Jenna não estava procurando por ele, e sim por estabilidade, por reconhecimento, por não perder o que tão duramente construiu em sua profissão. Se Eric é um príncipe, então ele terá de lutar em dobro para conseguir alcançá-la. 

Numa Perrier assina a direção e Leigh Davenport adapta o romance de Tia Williams, que tem uma camada de reconhecimento do suor do próprio rosto não poder ser desperdiçado. A Descoberta Perfeita o tempo todo grita como tudo é muito difícil para uma preta, e que por isso as oportunidades não podem ser tratadas levianamente, e que ao fim e ao cabo, essas mulheres têm umas às outras, e precisam se unir em momentos de crise. Jenna e Darcy, por exemplo, são inimigas que precisam uma da outra para equalizar suas qualidades, e sobreviver em um mundo onde o racismo ainda mata. Todas as cenas entre Gabrielle Union e Gina Torres são repletas de uma tensão reconhecível entre rivais, que terão suas vidas alteradas quando se tornarem sogra e nora. 

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A Descoberta Perfeita não é uma opção que eleve as discussões raciais, ou transforme imageticamente o lugar que o cinema legou às comédias. Mas não dá pra negar que o filme tente escalar lugares onde apenas os brancos têm costume de estar, como o da cinefilia. Eric e Jenna amam filmes antigos, e usarão suas referências em filmes históricos para compor uma campanha comercial. Vemos então uma celebração justa a títulos como Carmen Jones e Foxy Brown, além de reverenciar Nina Mae McKinney, considerada a primeira estrela negra do cinema. É uma celebração justa e bem-vinda, que tenta reproduzir algumas texturas icônicas do cinema negro através dos tempos, para dar voz a uma produção que, em tese, foi feita com o intuito de entreter. 

E aí temos inserido nessa ideia um tanto de orgulho preto com a força de uma manifestação pública, e que a Netflix dissemina; sabemos que nada é por altruísmo, mas se algo desse espaço invade a cultura de massa para tentar arrecadar respaldo de respeitabilidade, porque não utilizar o veículo? A Descoberta Perfeita não é ingênuo de achar que mudará o mundo com seu lançamento, mas as sementes precisam ser arremessadas em algum solo. No miolo dessa apresentação, encontra-se um desenvolvimento bem articulado, com personagem sem estereótipos, e que estão também servindo a uma ideia de mercado, afinal, é uma comédia romântica. A doçura de Union (que acabou de ser vista em A Inspeção quebrando tudo) se imbui também de um estado de coisas que a fazem uma representante orgulhosa de seu tempo – inteligente, bonita, decidida, empoderada e um refletor, que ela ajuda a consolidar. 

Um grande momento

A dança coletiva na festa

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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