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Mães Paralelas

Almodóvar com A maiúsculo

(Madres Paralelas, ESP, 2021)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Pedro Almodóvar 
  • Roteiro: Pedro Almodóvar 
  • Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón, Rossy de Palma, Julieta Serrano
  • Duração: 123 minutos

Ouvi dizer em algum lugar que Pedro Almodóvar é um desses diretores cujo conjunto da obra pode ser considerado um gênero cinematográfico à parte. São poucos os que conseguem tal façanha, mas é inegável que o espanhol está entre eles. Mas como seria esse gênero? Quais suas convenções? Em primeiro lugar, a mulher. As personagens femininas, sejam elas mães, atrizes, prostitutas (ou tudo isso junto), formam o núcleo duro da dramaturgia de Almodóvar. Em segundo lugar, a subversão de tabus, algo que se torna ainda mais interessante quando lembramos que por boa parte de sua infância e adolescência Almodóvar tenha sido preparado para seguir uma vida de devoção como padre da igreja católica. 

Contudo, em um contraste entre sagrado e profano que acabou por ser característico de seu próprio cinema, o realizador é filho da geração que fez parte da chamada Movida Madrileña, um movimento de contracultura que efervescia em Madrid em meados dos anos 70, durante os derradeiros anos do regime franquista. A agitação e a sede pela subversão e por uma cultura jovem marginal rapidamente se espalharam por toda a Espanha, impactando a música, as artes visuais, a moda e o cinema. Nessa época, Pedro Almodóvar, o ex-futuro padre, fazia parte de uma banda de rock em que cantava travestido.

Juntos, esses dois fatores (as personagens femininas e a subversão de tabus) se unem para estabelecer as forças motrizes de um cinema dos excessos, em que tudo transborda e nada é proibido, repleto de um erotismo pulsante, mortes repentinas e conflitos escandalosos. Um cinema cheio de vida, amores, sexo, traição e saudades. E é assim que, sem mais delongas, Mães Paralelas se apresenta. Um Almodóvar com A maiúsculo.

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O filme gira em torno do drama entre Janis (Penélope Cruz, outra convenção do cinema almodovariano) e a jovem Ana (interpretada pela excelente Milena Smit). As duas mulheres se conhecem num quarto de maternidade, quando ambas estão prestes a parir. A primeira, na casa dos 40 anos, é uma fotógrafa de renome que engravidou depois de uma transa casual com o antropólogo forense Arturo (Israel Elejalde). Apesar de a gravidez ter sido um acidente, Janis entendeu que estava na hora de ser mãe e decidiu seguir a tradição das mulheres da família: “ser uma mãe solteira, como minha mãe e minha avó”.

Já a jovem Ana, filha de pais separados e com apenas 17 anos, está em uma situação oposta. Uma gravidez indesejada e que apresenta grande potencial de perturbar seus projetos de vida, mas que ainda assim será levada a cabo. Ela é filha de Teresa (Aitana Sánchez-Gijón), uma atriz de teatro burguesa e que se autodenomina “apolítica”, a qual por muito tempo fracassou em suas tentativas de subir aos palcos e que finalmente encontrou uma oportunidade, pouco tempo depois do parto da filha. São essas as mulheres que se encontram naquela maternidade e cujas vidas se entrelaçam depois de suspeitas de que suas bebês foram trocadas na maternidade. E esse é só o começo.

Em segundo plano, Janis e Arturo (o tal antropólogo forense que a engravidou) estão envolvidos com o projeto de escavação da cova coletiva onde o bisavô da mulher, também fotógrafo, foi enterrado como indigente durante o violento período da guerra civil espanhola, na segunda metade dos anos 30. 

Mães Paralelas confronta o trauma da guerra e da violência na Espanha e expõe as chagas, ainda abertas, das mulheres que tiveram seus pais, filhos e maridos raptados e assassinados pelo nazifascismo espanhol. “Vamos adiante, com a boca cheia de veneno, e a vontade de fugir”. Em um de seus melhores filmes das últimas duas décadas, Almodóvar consegue dar novas roupagens a seus próprios maneirismos e nos apresenta uma trama repleta de personagens complexas, filmadas sempre a uma luz suave porém onisciente, dotada, como todas as câmeras em mãos habilidosas, do poder de converter todas e todos em criaturas vulneráveis, expostas, cheias de falhas. 

Um grande momento
As dores do parto ao som de Alberto Iglesias

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Marcus Benjamin Figueredo

Marcus Benjamin Figueredo é corintiano, cineasta e jornalista, filho da UnB. Também é pesquisador e já atuou como montador de clipes musicais, produtor, curador e membro do júri em festivais de cinema universitário e roteiro. Gosta de sinuca.
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