Crítica | Streaming e VoD

Alerta de Risco

Brucutu feminino

(Trigger Warning, EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Policial
  • Direção: Mouly Surya
  • Roteiro: John Brancato, Josh Olson, Halley Wegryn Gross
  • Elenco: Jessica Alba, Mark Webber, Anthony Michael Hall, Jake Weary, Tone Bell, Gabriel Basso, Alejandro de Hoyos, Kaiwi Lyman
  • Duração: 100 minutos

John Flynn foi um cineasta que ficou célebre nos anos 70 depois de realizar o que hoje é chamado de clássico, A Outra Face da Violência, filme que, ao lado de Fibra de Valente, representou um período do cinema estadunidense que nasceria ali. Órfãos da guerra do Vietnã, os Estados Unidos nesse período estaria lambendo as feridas que eles mesmos ajudaram a criar, e sob essa ressaca, esses filmes sobre “exército de um homem só”, envolvidos com um Estado corrupto e fascista viriam à tona. 50 anos anos o período, e muitas outras produções depois que varreram as décadas, a Netflix lança uma espécie de revitalização daqueles valores sob nova égide. Alerta de Risco é passatempo ligeiro e, hoje, descerebrado, que mantém o conservadorismo presente no “olho por olho, dente por dente”.

Da Indonésia, sai a cineasta Mouly Surya, que abraça com unhas e dentes a oportunidade única de revitalizar um formato de cinema que não morreu, mas que perdeu o vigor e a necessidade de existir. Esse era um conceito que envolvia muito ufanismo e que, mesmo por trás de uma lufada de novidade, o filme não consegue abrir mão desse lado básico de tentar compreender a esquizofrenia norte-americana que é comum a “herois” e “vilões”. De uma cineasta, não poderíamos esperar outro resultado que não o da ressignificação a partir de um lugar feminino também na frente das câmeras, então esse tradicional personagem e narrativa passam a ter um rosto de mulher para defendê-lo. É um diferencial, sem dúvida, mas isso não muda muito os fins e os meios. 

Na linha de frente de Alerta de Risco então, encontra-se Jessica Alba. A estrela da primeira leva de filmes Quarteto Fantástico há muito tempo estava repousando dos longas. O seu último tinha sido há 5 anos, mas fisicamente o tempo não passou, e a prova disso é a sua personagem ter 10 anos a menos que ela e isso não ser um problema. Na verdade, sua presença em cena é revigorante, levando justamente isso em consideração; é uma espécie de mini-comeback a uma jovem atriz que nunca se agarrou em um estrelato maior. Está bem, mas principalmente o que vale muito àquela performance é o seu ressurgimento, A essa altura, até uma espécie de ilusão de ótica coletiva comece a enxergar Alba em uma grande atuação. 

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Ver essa personagem não ter muitos resquícios de elementos femininos a compor suas ações é o grande barato de Alerta de Risco. Estou celebrando o apagamento do feminino? Não, e sim vendo uma protagonista de ação não depender do que é o clichê do estereótipo do gênero (principalmente para o Cinema) para existir. Logo, não há um par romântico obrigatório para ela, nem valorização de elementos da feminilidade, como maquiagem ou figurino, ou mesmo que os vilões a tratem como alguém menor ou menos capacitada. A direção não a exime de situações violentas, seu corpo é constantemente espancado e existe uma cena especialmente forte nesse sentido, que estivesse num filme mais central, teria rendido discussões enormes.

Como trata-se de uma produção menor da Netflix, e também um filme de ação onde as situações são todas bem esquemáticas, o escarcéu que chegaria até ele nem o notou. Mas a jovem Surya com certeza quis abarcar nesse universo absolutamente masculino que os cineastas dos anos 80 carimbaram. O resultado não é nada diferente, de lá pra cá, e o preço da diferença é esse lugar da violência onde está inserida a personagem protagonista, que o aproxima de um Até o Limite da Honra, talvez. No geral, no entanto, Alerta de Risco poderia ser o roteiro de um filme escrito para ser protagonizado por um homem que acabou sendo assumido por uma mulher, no sentido que nada do seu gênero provoca fagulha nos eventos. Me pergunto então se abrir essa seara de maneira onde nada seja evidenciado, se vale a pena. 

Um grande momento
O incêndio

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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