Crítica | Streaming e VoD

Apportados

A tecnologia na berlinda

(Fondeados, MEX, 2021)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Marcos Bucay
  • Roteiro: Marcos Bucay
  • Elenco: Aldo Escalante, Ricardo Polanco, Natalia Téllez, Fabrizio Santini, Seo Ju Park, María Chacón, Giuseppe Gamba, Sebastián Zurita
  • Duração: 97 minutos

O lugar onde APPortados chega, nova comédia mexicana que acaba de “apportar” na Netflix, não é de fácil manutenção. Por oras extremamente bobo e manjado, e em outras incisivo em sua crítica geral e irrestrita ao (mau) uso das modernidades e tecnologias para os bens coletivos ou individuais, o longa consegue arrancar gargalhadas quando menos se espera (e quando já nem se esperava mais) com uma trupe de personagens repletos de clichês, uma história que já se desenrolou antes em torno de outros temas mas com as mesmas finalidades, mas que funciona pela adequação dos envolvidos e seus talentos potenciais muito bem explorados.

O diretor e roteirista Marcos Bucay tem carreira anterior exclusivamente televisiva e isso salta aos olhos na produção, diante da energia veloz que é dedicada ao humor, de caráter popular. Mas as críticas que são feitas ao humor oriundo da TV, no Brasil ou no exterior, ele precisa ser compreendido também dentro da lógica do próprio humor: ou ele funciona ou não. E o bom humor é aquele que nos faz rir conjuntamente e não excludentemente. O filme acerta nesse lugar, ainda que incorra em grosseria e incorreção política, mas cujo emprego é feito de maneira pontual e dentro dos limites do bom senso; acima de tudo, o filme faz rir.

Apportados
© Patricia Alpizar/Netflix

A trama é antenada com o nosso tempo, recheado de start-ups, aplicativos infames que rendem fama milionária, gurus e coachs que beiram o ridículo e uma infinidade de informações que deixam cringe qualquer um que não seja da geração Z. A criação de moedas particulares para cada aplicativo, a ascensão das blogueirinhas fitness, ou seja, a forma muito rápida de alcançar sucesso e também de perdê-lo (traduzindo em ganhos monetários ou não – tudo pode estar apenas na “nuvem”) é uma forma de não apenas divertir com o absurdo ao nosso redor como também de apontar os lugares onde estamos deliberadamente caindo sem nos perguntarmos o porquê.

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A comédia não costuma ser um ambiente propício para ambições estéticas, e as de APPortados não conseguem ultrapassar o bom uso da montagem e dos efeitos especiais modestos para inflar nossa experiência com a diversão, e a dos personagens com efeitos colaterais de suas estripulias etílicas/alucinógenas. A diferença aqui é que o trabalho de Jonathan Pellicer na edição é de excelente procedência, dá timing não apenas a graça buscada pelo roteiro como também ritmo e urgência ao filme, e adiciona efeitos nada inovadores mas que funcionam à perfeição ao que o produto pede, contribuindo inclusive para o trabalho acima da média de todo o elenco.

Apportados
© Patricia Alpizar/Netflix

É um conjunto de atores verdadeiramente ambicioso e azeitado, onde praticamente todos funcionam, mesmo os mais pontuais e restritos a gags de fundo de cena. Mas, mesmo respondendo a tipos tão exaustivamente testados anteriormente, o que o trio Aldo Escalante, Ricardo Polanco e principalmente Fabrizio Santini faz é de tirar o chapéu. Os dois primeiros são os protagonistas cheios de química, onde acreditamos nas idiossincrasias e na amizade que os faz trocar de personalidade a cada vez que um comete um novo deslize de maneira muito orgânica e realista, e o terceiro é o impagável Aderales, influenciador e maconheiro que ganhou fama com um app delivery de drogas.

Como citado acima, um dos sucessos de APPortados vem do fato de que frequentemente todos mudam de opinião, e raramente alguém está certo. Tanto Polo quanto Blas passeiam de um extremo a outro tomando decisões estapafúrdias que, ou os prejudica pelo excesso de correção ou pela absoluta falta de cuidado. Seguindo seus passos e percebendo que o universo que eles tentam entrar é errado por todos os lados onde se olha, talvez fique mais fácil de detectar onde nós mesmos estamos errando. Já disseram que o humor exacerba o que está muito óbvio à nossa frente, e esse é um caminho que Bucay escolhe tomar, fazendo-o com humildade e muita graça.

Um grande momento
Polo e Blas observam Polo e Blas

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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