- Gênero: Comédia, Terror
- Direção: Carlos Therón
- Roteiro: Marta Buchaca, Fernando Navarro
- Elenco: Belén Rueda, Gracia Olayo, Toni Acosta, Emilio Gutiérrez Caba, Miren Ibarguren, Óscar Ortuño, Ivan Massagué, Lorena López, Antonio Pagudo, María Gil
- Duração: 93 minutos
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Horas depois de finda a sessão de Rainhas em Fuga na mesma Netflix, e ficar drenado de possibilidades positivas no canal, vem a rasteira: Assombrosas é o filme que eu nem sabia que estava precisando, e que baita surpresa positiva. Igualmente hit surpresa do canal, a produção espanhola não tem medo do mix que congrega durante a breve hora e meia de duração; quando percebemos que o filme se passa na verdade no desenrolar de uma noite/madrugada, o prazer se acentua. Aliás, essa é uma característica do filme: ir de mansinho vencendo qualquer resistência sua a partir de tantas novidades que ele cava para circundar uma narrativa que é bem compacta. Tudo é feito com tamanha precisão que a temos a impressão de uma sessão mais longa, com mais impacto e com ainda mais recompensas.
Carlos Therón é um diretor espanhol de experiência com comédias, gênero que só parece mais livre de realização. Na verdade, tento mostrar nos meus textos como a comédia é dos gêneros mais complexos, justamente porque dela depende o tempo do humor, que no cinema é particularmente mais difícil de conseguir. Não é apenas o ritmo que precisa estar no ponto, mas principalmente a costura de cena a cena, pois são elas que muitas vezes definem o resultado de cada piada. Em Assombrosas, o sarrafo é colocado particularmente em lugar bem alto, de onde olhamos de longe. E não é pelo resultado obtido, mas pela tentativa de implementar dois universos em um, não aglutinados, e sim sobrevivendo unidos em um mesmo espaço, procurando co-existir.
A explicação é que, na teoria, Assombrosas até poderia ser classificado como um ‘terrir’, mas na prática o seu artesanato é mais elaborado que isso (e “isso” já nem seria simples). O trabalho de Therón em cima do roteiro de Marta Buchaca e Fernando Navarro é destrinchar os gomos que o filme apresenta, mantendo suas duas verves, a comédia e o terror, vizinhos dentro de uma mesma narrativa. Suas intersecções são mais raras do que vemos acontecer, e geralmente proporcionam momentos menos inspirados; é quando trata tanto o humor quanto o horror como entidades separadas, que a produção alça voo. O mais impressionante é que tudo acaba fazendo sentido dentro da proposta, e o filme consegue criar uma semântica particular no que a produção entrega.
Na verdade, a atmosfera de Assombrosas propõe um estranhamento inicial a respeito de quase toda informação dada, estética ou narrativa. O espectador fica positivamente no meio do caminho, sem saber onde está pisando; no ‘blend’ das ideias, tem até uma que se abre para o ‘mockumentário’, já que a trajetória dos personagens do filme é inspirado em eventos e em grupo real na Espanha. Tudo vai sendo acrescido sem pressa, e o filme nos ganha pelos detalhes, como por exemplo estarmos diante de uma narrativa de declínio. Ao contrário do modelo-padrão, o filme não nos apresenta a uma origem, ou a um grupo de sucesso consolidado. O trio de protagonistas está em decadência (e nem estou falando da física), não quer mais estar junto realizando o que faz, e seus anos de glória e paciência umas com as outras já ficaram para trás.
O elenco é todo excelente, e como é bom ver Belén Rueda (de Tudo sobre minha Mãe e O Orfanato) em um lugar que a valorize. Ao lado de Gracia Olayo (de Balada do Amor e do Ódio) e Toni Acosta (de Reflexões no Espelho), formam o time de protagonistas que conseguem extravasar tudo que é sugerido; a amizade existe ainda, mas o cansaço já ocupou lugar de tudo, e a frustração transformou as relações. Assombrosas consegue montar um quadro de elenco impecável para onde se olha, do casal vivido por Ivan Massagué (de O Poço) e Lorena López, passando pelo jovem Óscar Ortuño, até a pequena María Gil, todos estão em cena em personagens que elevam o roteiro. Como o tempo narrativo é escasso, nada parece evasivo; estão todos em cena no tempo possível para que conheçamos o entorno, sua funcionalidade e acabam criando uma base no campo e no extracampo também.
Essa deve ser uma das maiores qualidades de Assombrosas, a ideia de que acabamos de adentrar em uma história vigente, que se desenvolveu antes e que continuará existindo além da duração. É a prova de que somos afetados pela comicidade apresentada e pelo campo sobrenatural (estamos diante de um filme que é tão engraçado quanto assustador), mas que sua carpintaria vai além dos gêneros, conseguindo criar unidade. Quando estamos diante de um produto tão bem acabado assim, dentro de um campo onde é privilegiado a pressa e a entrega de produtos em larga escala, precisamos compreender e valorizar o que está em jogo. Um dia, Alex de la Iglesia já esteve nesse lugar; ouso dizer que estamos diante de algo que nem ele conseguiu condensar tão sabiamente.
Um grande momento
Gloria e o padre