Crítica | Festival

Foram os Sussurros que me Mataram

Leve sabor cafajeste

(Foram os Sussurros que me Mataram, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Ficção Científica
  • Direção: Arthur Tuoto
  • Roteiro: Arthur Tuoto
  • Elenco: Mel Lisboa, Carla Rodrigues, Otávio Linhares, Pedro Gaeta, Isabela Lago, Patrick Sampaio
  • Duração: 95 minutos

Arthur Tuoto tem uma carreira marcada pela provocação experimental, seguindo um olhar fora dos padrões tanto em sua cinefilia particular quanto no que propunha como autor. O que essa sua incursão na ficção chamada Foram os Sussurros que me Mataram mostra é que ele tem sim interesse em abandonar, ainda que momentaneamente, seu habitat natural, o que pra ele é exatamente o anti-naturalismo. Aqui, se ele não eleva provocação e até puxa a marcha eventualmente, também não podemos dizer que estamos diante de ‘mais uma obra’ e essa sensação passa longe. Na verdade, o que vemos é um jovem autor tentando ir além de seus domínios com uma ousadia narrativa no limite para conseguir o espaço necessário. 

O diretor de Não Me Fale sobre Recomeços (que já tinha competido em Tiradentes há alguns anos) aqui tenta apostar em um cinema narrativo de comunicação mais fácil com o espectador, e isso se mostra real. Mesmo narrativamente, Foram os Sussurros que me Mataram se aproxima de prováveis preferidos de Tuoto, por mais que ele seja fiel à sua admiração. O filme se monta com a certeza de mostrar inúmeras costuras disparatadas com um viés imediatista, que mesmo assim parece não estar muito conectado com o que o cinema vem apresentado, sem qualquer explicação. A ironia dessa afirmação é que o filme em especial se mostra cada vez mais restritivo, e passa a não confiar no seu poder de discernimento. 

Sei que essa é uma característica quase comum do cinema de hoje, os autores acabam por determinar saídas muito, digamos, ‘pedagógicas’ para suas produções, que mostram a ausência de confiança no material. O caso de Foram os Sussurros que me Mataram é um alvo fácil para entender uma certa métrica, porque seus resultados podem querer dizer que um diretor que mira a vanguarda tenha se envolvido com uma produção que demanda espaço de mercado. O resultado é esse filme que não consegue se satisfazer com o que suas ideias já vislumbram, e precisa resgatar um discurso que exemplifica tudo que já estava na superfície. É, no mínimo, fora do comum perceber que mesmo Tuoto, adepto de um cinema menos dissertativo, tenha se embrenhado nessa solução fácil. 

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O que temos à disposição é um filme que tenta vender uma aura de mistério narrativo, quando acreditamos que Tuoto está muito mais interessado na construção do plano. Dessa forma, surge como uma bola interessante o uso que ele faz de reforçar algumas decisões estéticas, o uso de cores fortes para tentar criar uma cortina de fumaça para o roteiro. Aos poucos, o espectador mais tradicional pode se convencer melhor do que está sendo posto à prova ali; já o cinéfilo que acompanha o cineasta-crítico de cinema tende a defender a baixa equiparidade entre roteiro e direção. A verdade é que Foram os Sussurros que me Mataram provoca nossa percepção para uma terceira via do cinema, aquela que se vende como uma produção clássica-narrativa, mas que o filme retorce ali até o seu final. 

Com alguma comicidade que é alcançada, Foram os Sussurros que me Mataram surpreende ao mirar em questões muito triviais da sociedade contemporânea. O culto às super celebridades, a radicalidade de reality shows, a ascensão de uma nova voz de imprensa. Tematicamente é tudo muito “importante”, mas como o roteiro praticamente não tenta sofisticar o que está sendo tratado, fica na superfície um bando de assuntos que se dividem entre não ter estofo ou ser tratado de maneira leviana. Como todo o foco é na solução imagética do projeto e isso é muito óbvio, o resultado final acaba comprometido até certo ponto, mas sem perder por completo o valor. No elenco, Mel Lisboa (a eterna Anita) e Otávio Linhares (de Casa Izabel) correspondem bem, mas é Pedro Gaeta quem carrega em si a atmosfera pretendida, com mais dúvidas que certezas.

Essa nova incursão de Tuoto atrás das câmeras, no entanto, nunca deixa de nos interessar, porque estamos vendo algo cujo empenho estético é louvável, ainda que seu alcance voe para longe do que acredita entregar. Existe um ar cafajeste muito perceptível que pode dialogar com o Abel Ferrara de 4:44 ou New Rose Hotel, e todos parecem muito sinceros no que está sendo produzido. Essa não é exatamente a ideia do que poderia ter dado certo ali, porque Foram os Sussurros que me Mataram não acredita por completo nessa vertente – de qualquer forma, isso está cena, um tom de vagabundagem. O filme acaba por não se deslocar por completo a nenhum lado, anda claudicante pela corda bamba sobre o que está fazendo, e como não estamos falando de um mestre como Todd Haynes em Segredos de um Escândalo, temos então uma série de (válidas) tentativas de firmar voz. Talvez na próxima esse delineamento fique mais potente.

Um grande momento

Autografando blu-rays

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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