- Gênero: Musical
- Direção: Michael Gracey
- Roteiro: Michael Gracey, Simon Gleeson, Oliver Cole
- Elenco: Robbie Williams, Jonno Davies, Raechelle Banno, Steve Pemberton, Alison Steadman, Kate Mulvany, Damon Harriman
- Duração: 130 minutos
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Demorei a acreditar na produção desse filme. Aos 50 anos de idade, porque alguém teria interesse em produzir uma biografia sobre Robbie Williams? Pois imaginem se a moda pega e resolvem fazer um filme sobre a vida de Ricky Martin, ou Debbie Gibson, ou mesmo, sei lá, o Paulo Ricardo? Ok, já tivemos Mamonas Assassinas e Nosso Sonho, mas essas duas histórias foram marcadas por tragédias, enquanto o (excelente) cantor surgido na boyband Take That teve… hummmm… clínica de reabilitação? Bem, Better Man: A História de Robbie Williams está pronto, nem foi produzido pelo astro, e a partir daqui podem ficar relaxados: esse é o melhor musical de 2024. Portanto, esqueçam as batalhas de bruxas começadas há quase 100 anos atrás e as atrizes espanholas boas de Twitter.
O que sobra no filme de Michael Gracey era o que já estava impresso em seu musical anterior, O Rei do Show: sinceridade, que é um elemento essencial para colocar nossa suspensão da descrença à prova. Mesmo entendendo que a fantasia faz parte da gênese do gênero, e que efetivamente esse dado é rechaçado por detratores de qualquer exemplar, Better Man provoca na plateia muito rapidamente uma sensação de pertencimento que é rara de conseguir em meio ao potencial disruptivo natural do musical. Já na primeira cena em família, entre o pequeno Robert, seu pai e sua avó, o filme impinge ao espectador essa ideia de bloco familiar que enreda a narrativa sempre em primeiro lugar.
Existe um segundo dado que precisa ser ressaltado sobre o filme e que está em qualquer mísero material de divulgação, trailer, sinopse ou mesmo na arte que ilustra esse texto. Robbie Williams está em cena aqui, e também não está. Explica-se: sim, é uma obra ficcional sobre a juventude e a consagração do cantor, em meio aos traumas que permeiam a sua vida. “Interpretado” por Jonno Davies, o ator também não está em cena… isso porque a versão de Robbie que vemos, é sua porção primata, conseguida através de um uso miraculoso de efeitos especiais indicados ao Oscar. Em pré-entrevistas para Better Man, o próprio autor de “Angels” disse que se identificava como um macaco, em sua busca por autoconhecimento, auto rejeição e inexistência de auto estima. Acreditem, isso também funciona na produção, e igualmente não demora para que nossas sinapses tenham aceitado o fantástico.
São desses arroubos performáticos da produção que o filme ganha, aos poucos, um caráter que é uma mistura surreal de experimentação, linguagem pop e uma saída na direção do grande público, que são conectados pela música. Estamos falando do autor de “Feel” e “Rock DJ”, essa segunda dona da sequência que tende a tornar-se emblemática por reunir o acerto coletivo de Gracey. Esse é o segundo longa do diretor, que na juventude trabalhou na assistência visual de Moulin Rouge! e através disso notabilizou suas melhores características. Com algum exotismo em mente, sua imaginação e trabalho gráfico ajudam a trazer exuberância ao material, mas é o que cria de maneira uniforme em tudo que não é espetacular que carrega Better Man: A História de Robbie Williams em um acerto, enquanto cinema de gênero, mas principalmente no campo empolado das biografias. Nos importamos com Robbie, com seu casamento, com seus problemas psicológicos, com sua família e sua desestruturação, e temos acesso a muitas camadas de cada um desses pontos.
A despeito do que propõe graficamente, dos acertos de uma montagem composta de um grupo de cinco artistas (incluindo indicados e vencedores ao Oscar) que dinamiza a ação sem perder de foco as arestas emocionais, o que eleva Better Man é a relação que o filme estabelece com o que filma, com quem está na frente das câmeras. Estabelecer isso entre atores em pé de igualdade é uma arte que não se adquire de graça, então não há o que compreender na maneira como o filme visita a fantasia justamente para acessar o que tem de mais humano em cena. São sutilezas que cercam as relações humanas do filme, que nem é exclusivamente feita de acertos. Os arranjos narrativos funcionam aqui, assim como as elipses temporais comuns em biografias, porque estamos diante essencialmente de uma fantasia, e sua opção por esse recorte potencializa os dois vértices em cena.
Sinto que, de uns muitos tempos para cá, o cinema se infantilizou a tal ponto, que produções destinadas a um público adulto, de conteúdo maduro e com resultados estéticos e narrativos coalhados de alguma ambição, parecem cada vez menos presentes. Filmes como Código Preto e Mickey 17 soam como bichos estranhos, um lugar onde também podemos inserir Better Man: A História de Robbie Williams em contexto ainda mais provocador. Porque o musical, apesar dos eventuais sucessos, tem sido um aporte arriscado hoje, e quando o cinema resolveu abraçá-lo para as tais bilheterias (Wicked e Wonka, mais exatamente), eram incursões igualmente juvenis. Aqui, temos um filme que trata de questões traumáticas da personalidade de um ser humano, a ponto de que ele não apenas se vê como um animal, mas também observa suas outras encarnações dentro da própria encarnação a segui-lo. Que esse filme também não tenha ido bem de bilheteria, mostra que a cabeça pensante adulta não é – com exceções, claro – o lugar escolhido para a atenção ir. Se o filme abraça o espetáculo e o espetacular a um só tempo, e consegue convencer a quem o assiste a respeito de suas qualidades e carisma, é a prova de que Gracey talvez mereça ainda mais louvor do que tem recebido.
Um grande momento
“Rock DJ”