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Bila Burba

Teatro de guerra

(Bila Burba , PAN, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Documentário
  • Direção: Duiren Wagua
  • Roteiro: Duiren Wagua, Orgun Wagua
  • Duração: 70 minutos

Se o diretor de Carropasajero tem fixação em Pedro Costa, não é difícil imaginar que Duiren Wagua, se não admirador profundo de Joshua Oppenheimer, ao menos seja fanático por O Ato de Matar. O filme parece uma inspiração muito clara a Bila Burba, um outro filme que também fala sobre povos periféricos marcados por um massacre histórico, que usa do horror para criar uma conexão direta com fazer artístico. Se o dispositivo é parecido, o diretor tenta fazer da alegoria um processo de cura contínua, não apenas para quem atingiu-se diretamente no processo, como também para que as gerações futuras compreendam que esse horror, por mais absurdo que seja, pode voltar a qualquer hora, infelizmente. 

Enquanto a obra-prima de Oppenheimer lida com a reencenação dos fatos de uma maneira construída de maneira especial para seu filme, através dos relatos de seus perpetradores, em Bila Burba tal amostragem dos eventos é realizada todos os anos, em um processo cerimonial que funciona como encontro com a arte pura e também como uma espécie de sessão de descarrego. Esse modelo não é uma obrigatoriedade a ser seguida, mas seu intuito de ressignificar a tragédia através de uma catarse coletiva é, também, uma maneira que o Cinema encontra, todos os dias, para se colocar em constante relevância. Se poderia soar, a princípio, como rudimentar em sua estrutura cênica, a força dos eventos e de seus desdobramentos discursivos eleva o material e suas intenções. 

Existe a forma de encontrar essas pessoas e vê-las sem o olhar habitual para o campo do filme – que é também uma espécie de motivo pelo qual elas continuam realizando tais ações – e isso também é um acesso de outra ordem, que motiva Wagua em sua busca narrativa. O ancião que está a disposição do reencontro com suas motivações ancestrais, e que divide com as câmeras a História e a história, é a força motriz do discurso de Bila Burba, sem ancorar a produção. É como se precisássemos reencontrar sua motivação na imagem e palavras desse homem, para então somente a partir daí os eventos ganhassem motivo e permissão de existir. São situações complementares que revelam suas forças particulares. 

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Quando o filme invade a força estética dos eventos, percebemos que Bila Burba não estava preparado para o que tinha interesse em realizar. Ficam na teoria muitos de seus ensejos, tais como a aproximação em si da força expressiva do que é filmado. Porque, na verdade, tudo é muito pouco capturado pelo plano, tanto que a experiência cresce muito a cada nova abordagem do que é visto, e que infelizmente ocupa o menor espaço narrativo. Acaba por perder muitas de suas principais características ao não mostrar seu balé absurdo dos sentidos, ao cercar-se majoritariamente de dialética. Ainda que de maneira rudimentar, incomoda que o filme não se associe completamente à sua proposta barroca de filmar o passado revisitado. 

Quando, na reta final, enfim a batalha surge majestosa na tela, mesmo que filmada da maneira possível, percebemos o tanto que sua não-feitura antecipada derruba as ideias independentes do filme. Bila Burba é, também ele, um projeto de revitalização do horror, a partir de um conceito extra fílmico, que atinge o plano. Infelizmente não apenas esbarra na burocracia de conseguir transformar a tragédia em palavras em detrimento do que é sentido em suas maquinações. O que sobra do material é a intencionalidade que rasga o pano da realização aqui e ali, pra mostrar o tanto de suculência foi alijada do projeto. Estamos diante de um estudo muito rico que se mostra frustrado ao condensar tudo o que era possível em sua parca duração; o desequilíbrio acaba mostrando mais do que deveria a respeito de deficiências que não estariam explicitadas, se houvesse uma abordagem menos verbal. 

Ao encampar sua textura teatral na frontalidade de sua criação, Bila Burba sublinha o que é necessário para a fabulação, porque é continuidade de discurso, ao mesmo tempo. Ao mostrar que a totalidade não foi alcançada, quando nos nega acesso ao processo complexo que está em rota de funcionamento, o filme falha em projetar o campo completo. Sobressaem seus acertos óbvios, mas igualmente a ausência de componentes que completariam o quadro geral. 

Um grande momento

A força do sangue teatral

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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