- Gênero: Documentário
- Direção: Maureen Fazendeiro
- Roteiro: Maureen Fazendeiro
- Duração: 80 minutos
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Maureen Fazendeiro é uma muito jovem diretora e roteirista portuguesa, que, apesar disso, já esteve em contato direto com o genial conterrâneo Miguel Gomes por duas vezes (co-dirigindo Diários de Otsoga e roteirizando Grand Tour), e isso nos garante interesse suficiente por sua estreia solo, As Estações. Exibido no Festival de Locarno, é uma experiência como grande parte da nova cinematografia de Portugal, que corre os riscos necessários para se fazer notar em meio a um mundo de excessos de informação. O que ela faz é o movimento contrário, ao prestar atenção no que as câmeras não filmam, nas pessoas que não estão no centro das narrativas. Se a história do Alentejo enquanto ocupação faz parte de um passado que mesmo a Europa não conhece, a cineasta nos leva a uma viagem sonorizada pela fabulação e os movimentos constantes que unem arqueólogos e trabalhadores da terra.
Assim como seu mentor, Fazendeiro pratica um cinema muito particular, cujas definições não cabem a um formato tradicional. As aventuras que as imagens que o filme produz são espécimes raros de tratamento audiovisual, livres de indagação formal, e por isso mesmo recusando-se a uma leitura igualmente tradicional. O que o filme evoca é uma constante rotina de trabalho que encontra um sedutor reflexo junto à palavra. São imagens que invocam descobertas de ordens ancestrais, mas também colocam o espectador a par de um caráter moderno, ao investigar esse passado com a mesma segurança com que monta o presente. São imagens de escavação, que facilmente remontariam a um recorte do tempo, mas cujo verbo das cartas, esse sim, montam um painel de outrora, provocando inúmeros micro estranhamentos.
No que é possível imaginar como uma narrativa, existe esse trançado que liga o que já não está mais e o que ainda virá, com os tempos bebendo entre si de um mesmo objeto. Esse exercício une a história contada com uma história que é vivida no cotidiano de trabalhadores que, de muitas formas constituem uma formação de Portugal. Nesse sentido, As Estações posiciona-se de maneira histórica enquanto registro cinematográfico, mas não a historicidade comum a um determinado olhar audiovisual. Não estão em cena as figuras emblemáticas da construção do Estado, mas as palavras que motivaram, através de uma relação com o personagem estrangeiro por excelência e nos carrega rumo a essa descoberta do que é o ser português, dos antepassados remotos ao povo que mantém a roda girando de modo ativo.
A partir da história de um casal de amantes arqueólogos alemães que viveram 100 anos atrás, Fazendeiro cria um paralelo com a formação do país, as expedições que permitiram ao estrangeiro uma parte dessa criação, e a estrutura do hoje, ao mesmo tempo em que se mantém um eco pretérito. Não é um salto fácil de fazer, e a autora se embrenha por um caminho cheio de experimentações de molde; As Estações é um documentário que não abre concessões para o que recebemos constantemente do mercado. Mas também não se trata de uma produção abstrata, e sim um título que não se permite o lugar comum da edição ou do paternalismo narrativo, e em seu lugar busca a adesão de um espectador que exija mais do que o gênero oferece mais tradicionalmente.
O tempo do filme é aquele do cinema de fluxo, onde a matéria filmada tem a captura do tempo onde a ação se caracteriza. Isso confere a As Estações um tratamento difuso do olhar e da espectatorialidade; não é todo dia, nem em todo festival, que encontramos um alargamento do pensamento e das necessidades especiais de um filme. É a edição a cargo da própria Fazendeiro e Telmo Churro que organiza essa imersão por vias não-tradicionais, embaralhando o tempo oral e o tempo imagético, para transformá-lo em algo comum à obra. O sentido dessa manobra é exatamente colocar a História de Portugal como um elemento vivo e sempre lacunar, com disposição constante a novas incidências de eventos. Além do que vemos e ouvimos, existe a sensação permanente de montagem do que está disposto, sempre reproduzindo o espaço explorado e a as palavras narradas como algo a um só tempo novíssimo por sua redescoberta, e ancestral pelas sensações que abarca.
Um grande momento
O fascínio do primeiro momento, na comunicação entre imagens e narração


