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Black Tea: O Aroma do Amor

Excessos sem base

(Black Tea , FRA, MAU, TAW, LUX, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Abderrahmane Sissako
  • Roteiro: Abderrahmane Sissako, Kessen Tal
  • Elenco: Nina Melo, Han Chang, Ke-Xi Wu, Michael Chang, Pei-Jen Wu, Wei Huang
  • Duração: 105 minutos

Há dez anos atrás, Abderrahmane Sissako dirigiu o essencial Timbuktu, filme que venceu prêmio em Cannes, foi indicado ao Oscar, além de ter sido o principal nome na entrega dos César em seu ano. Desde então, se esperava o seu filme seguinte com apreensão e entusiasmo. Black Tea: O Aroma do Amor teve uma gestação longa, acidentada por muitos imprevistos (incluindo a pandemia da covid-19) e ao que tudo indica foi negado por muitos festivais até ser selecionado por Berlim, esse ano. Ao assistir o filme, que estreia essa semana nos cinemas brasileiros, existe um desconforto não necessariamente positivo, que é acentuado por decisões um pouco questionáveis de narrativa. Não por serem negativos, mas justamente por darem margem a uma ambiguidade que empalidece bastante as intenções da obra.

Black Tea se abre como uma obra de empoderamento feminino, quando sua protagonista abre mão de um casamento que não confiava ainda no altar, mesmo prometida ao noivo. Ela então segue da sua Costa do Marfim natal para a China, onde o trabalho em uma fábrica de chá artesanal a aguarda. As elipses entre as situações situam o filme em um campo quase alegórico, conforme as origens de Sissako, onde o naturalismo é um elemento a mais dentro do campo pretendido, e não sua forma final. Mas o que poderia provocar uma ruptura no processo integral acaba se juntando ao confuso grupo de ideias do filme, que não fazem sentido quando tentamos encontrar uma linha de raciocínio onde tais elementos conversem entre si. 

A interação entre o que a protagonista feminina, e o que ela eventualmente acaba por descobrir em sua nova jornada, e o protagonista masculino, e os caminhos que irão se descortinar à sua frente, criam um universo para Black Tea: O Aroma do Amor que não se conecta. Não é como se eles não se comunicassem como um todo, mas como essa comunicação fosse traduzida de maneira equivocada, afinal tais personagens não possuem química nem conseguem um olhar uniformizado para o futuro. Suas ideias se organizam na teoria, mas a prática não encontra a coesão que é vista nos filmes anteriores de Sissako, que aqui tem mais ideias do que consegue concretizar. 

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Aos poucos, o enfoque para a personagem Aya vai diminuindo, até que não faça mais qualquer sentido que tenhamos pensado no início que o filme tinha um viés de empoderamento, porque tudo passa a formatar em torno de Cal. Conforme Black Tea avança, também a ideia de choque cultural começa a desaparecer, e o filme passa a se importar exclusivamente com seu tipo central masculino. Diante disso, piadas e textos elogiosos do personagem começam a se mostrar um desserviço para qualquer olhar, podendo variar entre o misógino, o racista e o xenófobo. Não há uma forma menos agressiva de olhar para a obra, principalmente porque ele quer nos convencer o tempo inteiro do contrário do que é mostrado, realçando o que é muito errado das imagens e dos diálogos. 

Existe ao menos uma passagem de Black Tea: O Aroma do Amor que, de tão surreal, acabamos por mergulhar na ideia. Em determinado momento, Cal resolve enfim visitar a filha que não vê há muito tempo. O que acontece a partir dessa decisão é um quase um acontecimento circense, uma comédia de ocasião meio absurda no meio de um drama sisudo. Isso quebra a retidão de um filme que não se alicerça no emocional, mas em uma estrutura muito impermeável de eventos. A partir desse bloco de situações, percebemos que faltava acima de tudo leveza a um filme tão arraigado de impossibilidades, onde o excesso de lacunas acaba por não permitir nossa conexão. 

Muitas são as saídas para a tentativa de se encontrar, e apresentar seu material a respeito do que estamos vendo, e Sissako demonstra atirar para vários lados, em diferentes contornos e intenções. Black Tea: O Aroma do Amor se encerra e não sabemos exatamente o que estava acontecendo em cena, e isso é ainda mais grave do que a verbalização cheia de equívocos danosos. Enquanto cinema que independe de discursos, o filme não se arma de uma maneira apresentável. O que sobra é uma criatura disforme, e desapegada de autoridade; a falta de recursos para se comunicar com qualquer que seja o público, em sua base, é o que fica da experiência. 

Um grande momento

Cal desce a montanha 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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