- Gênero: Drama
- Direção: Brendan Canty
- Roteiro: Alan O'Gorman
- Elenco: Danny Power, Diarmuid Noyes, Emma Willis, Chris Walley, Lewis Brophy, Alison Oliver, Helen Beham, Ciaran Bermingham, Cara Cullen, Jamie Forde
- Duração: 95 minutos
-
Veja online:
O cinema a respeito do proletariado britânico, com seu conglomerado de problemas muito particulares, é um subgênero dentro da cartilha de gêneros. Em festivais de cinema eles não costumam passar incólumes, mas especialmente um da safra recente chega na Mostra SP com um status recém alcançado: Christy, de Brendan Canty, está indicado ao European Film Awards de melhor filme junto ao júri popular. Assistindo ao filme essa nomeação se faz entender, mas apesar da clara conexão popular presente no desenvolvimento e apresentação da história, isso não é seu único atrativo, deixando claro que precisamos ficar de olho em Canty. Um estudo de personagem que ganha contornos trágicos de uma maneira bastante universal sem jamais apelar para o exotismo, o filme é ao mesmo tempo dulcíssimo e uma maneira muito machucada de conversar sobre desamparo afetivo.
Abusando da maneira lacunar de se apresentar uma história, o espectador precisa correr atrás do que Christy tem a dizer, no melhor sentido. Um grande roteiro como o de Alan O’Gorman faz o serviço de uma forma tão naturalizada, que o espectador traça um jogo de descobertas sem desespero, apenas como se fosse uma espécie de testemunha aos encontros que o filme promove, e que paulatinamente aproxima o personagem-título do público. É crua a maneira como são estabelecidos os pré-acordos de aproximação do filme, que avança sobre um passado recente ainda cheio de cicatrizes com cuidado. E a pessoa Christy, como todo animal acuado e ferido, responde a esses movimentos com a rispidez que se imagina, mas sem reduzir essa história a um mergulho no inferno, apenas; a saída está em todas as esquinas e são apontadas.
Christy é derivado de um curta metragem de seis anos atrás que funciona como se fosse um apresentação de tais personagens, aqui melhores desenvolvidos e amplificados pela dupla de estreantes em longas, o diretor e o roteirista. Com o mesmo elenco reprisando os papéis, todos possuem vasto material a apresentar nesse longa que vai além do se espera, porque foge das expectativas para estar de frente à constante tentativa de ajudar um próximo ainda confuso com o estado das coisas à sua volta. Vítima de abandono desde os 5 anos de idade, Christy hoje está prestes a completar 18 e já passou por lares de adoção, instituições, e ainda vê a única pessoa que e interessa diretamente – o meio-irmão – sistematicamente se afastar dele, repeli-lo e promover uma tentativa de desaparecimento.
O roteiro desenvolve esse protagonismo duplo, de Christy e seu irmão Shane, de uma maneira pouco ortodoxa, porque eles comunicam pouco (ou quase nada) do que sentem. É o trabalho corporal de Danny Power e Diarmuid Noyes que realiza o que está implícito no texto, permitindo a Canty desenvolver as minúcias de cada personagem através do que diz os corpos em cena. Isso é uma característica da própria direção, desenvolver o campo coletivo de preparação e desenvolvimento das potencialidades de cada ator, ainda que esteja explícito no centro narrativo. Mesmo na estreia, as habilidades trazidas da experiência anterior fazem de Christy uma experiência cheia de camadas, porque sempre se aproxima de algum evento para posteriormente negá-lo.
Essa é uma lógica muito acertada, de nunca permitir ao espectador uma posição de certeza quanto ao futuro dos acontecimentos. Todas as apostas estarão erradas e a partir de determinado lance, quando entendermos que isso faz parte do jogo do filme, roteiro e direção passam a organizar o jogo de maneira tripla, para que três possibilidades de saída existam para cada encruzilhada. Nada disso faz parte de um formato estabelecido de maneira artificial, com tais curvas mostrando seus caminhos possíveis. É uma criação orgânica que confere a Christy um tom que nunca se torna agudo, porque essas situações são geradas de maneira possível. Como o epílogo, que não se previa anteriormente, e que não encerra o filme em uma possibilidade fechada.
Como alguns outros filmes dessa temporada (Uma Segunda Vida, por exemplo), Christy trata seus personagens como adultos, sem paternalismo, e mostra os sintomas de doenças sociais da atualidade com a responsabilidade necessária, como constantes crises de pânico. São fatores que promovem uma produção com elementos já conhecidos anteriormente, também em seu visual, na ambientação, mas que ganha pontos com a sinceridade com a qual é apresentado.
Um grande momento
O encontro de Christy e Chloe


