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Coringa: Delírio a Dois

Jogo de excessos

(Joker: Folie à Deux , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Aventura, Drama
  • Direção: Todd Phillips
  • Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver
  • Elenco: Joaquin Phoenix, Lady GaGa, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Zazie Beets, Steve Coogan, Bill Smitrovich
  • Duração: 125 minutos

A pandemia criou uma lacuna temporal que talvez não seja tão cedo recuperada pela sociedade. Por exemplo, já fazem cinco anos que Coringa foi lançado, e nem percebemos que tanto tempo já tinha passado. O lançamento de Coringa: Delírio a Dois, um dos filmes mais esperados de 2024, volta a jogar luz sobre esse lançamento tão recente, e ao mesmo tempo já longe no espaço temporal, principalmente se comparado com o que é lançado agora. As perguntas que serão feitas partem todas de questões retóricas, porque seriam todas respostas no campo do inexplicável: o que aconteceu durante esses cinco anos? Partindo do princípio que a mesma equipe volta a se reunir para contar esse novo episódio, ainda mais dúvidas surgem, e o pior dos sentimentos – a pena. 

Tudo que se ouviu nos últimos anos a respeito do que seria a estrutura desse novo filme é verdade – sim, estamos diante de um musical, que tentou ter sua gênese escondida, por conta dos inúmeros fracassos do gênero recentes. Ainda que não seja apresentado algo na linha do tradicional, o filme apresenta a natureza indomável e imprevisível do protagonista para também permitir que tudo que é visto ou sentido na produção, é justificado pelo relevo de seu personagem; a ele, cabem muitas definições, mais ou menos ousadas. Além da resistência recente do público com um gênero que gerou tantos sucessos, Coringa: Delírio a Dois precisa ainda mais responder acerca do que está no centro do quadro, e que nos afasta gradativamente do primeiro tomo de ação. 

Porém, o que mais chama atenção aqui independe da forma de apresentação, da ideia provocadora de atribuir à produção tal formato, e mesmo da coragem de mostrar-se em encarnação tão apartada. A questão maior tem a ver com a gênese independente das homenagens, e sim em como a narrativa precisa ser coerente (ainda mais agora, na necessidade de responder a questões anteriores) ao que seus personagens apresentaram anteriormente. Não importaria se Coringa: Delírio a Dois fosse também uma comédia, um thriller, um faroeste ou uma produção infantil, mas, exatamente por sua ação ser encontrada a partir do momento seguinte ao fim da primeira parte, existia a obrigatoriedade de não vilipendiar toda a construção anterior. 

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A começar pelas inspirações musicais, se o filme abre pretendendo homenagear a obra de Jacques Demy através de uma delicada referência a Os Guarda-Chuvas do Amor, o que fica mais óbvio é o quanto o filme se aproxima, sem qualquer timidez, de um sub-Chicago, inclusive com algum tanto temático. Para um autor que pretendia (fingiu?) ancorar-se em clássicos franceses e musicais da era de ouro, terminar em uma leitura tão contemporânea é não apenas frustrante, como uma espécie de primeira traição. Digo primeira, porque Phillips não parece preocupar-se em repetidamente tornar a cair em contradição, em perder a aura “perigosa” e “arriscada”, e mostrar-se cada vez menos venal. O que temos aqui é um diretor que parece magoado, e que transforma essa mágoa em melancolia explícita. 

Se o teor melancólico do primeiro filme sobre Arthur Fleck, transformava a persona de seu protagonista em uma máquina de imprevisibilidade, dessa vez a proposta é quase de prostração, como se não houvesse esperança ou tentativa de novas faíscas. Ainda que não completamente, Coringa: Delírio a Dois é um filme tristonho e de energia férrea, que conta com momentos que demonstram seu deslocamento estético e narrativo, e que caminha para o lado oposto do que apontava o anterior. O resultado é grave em muitas de suas construções, porque distorce as possibilidades de seu protagonista desde a abertura, em uma adorável animação clássica que pede perdão pelo que faz. Se existia um caminho para anarquia na trajetória de um dos maiores vilões da DC, aqui o roteiro de Phillips e Scott Silver se deixa levar por uma fúria que os drena, extraindo um personagem completamente diferente do que foi vendido. 

Em cena, Joaquin Phoenix continua brilhante como esse homem partido, que dessa vez parece não estar a par da situação, com um objeto estrutural tão cheio de possibilidades, resolvendo abraçar todas; a pior saída de qualquer situação. Já Lady GaGa transforma todas as cenas em que aparece, mesmo quando está desprovida de voz ativa. Talvez a intérprete de Harley Quinn merecesse um desdobramento mais profundo aqui, e não um manancial de indecisões motivadas pela vontade de abraçar o mundo com as pernas. O excesso de contradições tornam Coringa: Delírio a Dois em uma experiência que deseja muito estar em dois pólos opostos, e que só consegue mesmo demonstrar que há um retrocesso de maturidade aqui. 

O mesmo tanto que há beleza e assertividade nas qualidades que apresenta (por exemplo, a fotografia de Lawrence Sher é o ponto alto do todo), o filme não parece disposto a defender-se do rastilho de pólvora que acende. A dica de sempre é: não realize nada com a agudeza de sentimentos que o autor demonstra ter estado aqui. Coringa: Delírio a Dois, de alguma maneira, inova em mostrar no desenvolvimento uma espécie de ansiedade cẽnica e narrativa. 

Um grande momento
Fleck no orelhão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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