- Gênero: Suspense
- Direção: Michele Civetta
- Roteiro: Alex Felix Bendaña, Andrew Levitas, Michele Civetta
- Elenco: Shea Whigham, Bruce Dern, Olivia Munn, Zach Avery, Frank Grillo, Taegen Burns, Alex Wraith, Taryn Manning, Mark Boone Junior, Mike O’Connell.
- Duração: 91 minutos
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Filmes mundo-cão – consistem naquelas produções onde nada além do fundo do poço é filmado. Pessoas drogadas sem chance de recuperação, com filhos vivendo à margem do vício e do tráfico, homens caídos em desgraça tentando recuperar pessoas irrecuperáveis, órfãos em eterno conflito familiar, violência tanto psicológica quanto gráfica que não leva a nenhum outro caminho que não o da melancolia. Citei características que poderiam estar em vários filmes diferentes, mas estão todas em Cruzando a Linha, estreia de hoje da Netflix, um daqueles títulos policiais que te deixam mais mal do que bem. Não se trata de qualquer redenção por trás da narrativa, mas de um eterno buraco onde cavar não se sabe se leva de volta ao topo ou cada vez mais para baixo da terra.
Michele Civetta está em sua segunda incursão em longas aqui, é um italiano filmando em inglês e isso faz toda a diferença no olhar para seu produto. O filme é arrebatado por muito mais drama, mais passionalidade, mais intensidade dramática, do que pedia, o que deixa sua atmosfera pesada, quase lúgubre. Sabemos que tudo acabará mal, só não sabemos quão mal e para quantas pessoas, o que é uma pena não por adiantar intenção (e criar spoiler em si mesmo), mas porque isso demonstra uma capacidade irracional de não saber lidar com as molas cinematográficas se elas não incluírem pesar. Esse excesso depressivo tira de seu longa algumas gradações de cor, deixando tudo em um tom único e tirando uma certa malícia que seria necessária para que o filme tivesse nuances, que passam longe.
Mesmo nas sequências diurnas, Cruzando a Linha não se deixa levar por um lugar de respiro. Pois vejam uma tentativa de incursão cômica de profundo mau gosto, para o espectador e para o protagonista. Parker é um assistente social (nada convencional, digamos) que em sua agência precisa conviver com um tipo pra lá de desagradável como Stu, que passa o dia “tentando aliviar o ambiente” com suas tiradas cômicas. Pois bem, o astral dessa pessoa é tão pior do que o clima geral do filme, que entendemos a explosão de Parker contra ele, em determinado momento – na verdade, quase nos sentimos vingados. Ora, um filme que escolhe como alívio uma figura tão patética e deprimente, muito mais do que o que o cerceia, não pode estar com suas ideias de alívio tão bem intencionadas assim.
Todos os temas escolhidos pelo roteiro estão de comum acordo com a direção, ou seja, a comunicação é imediata. Isso só deprecia mais o produto, mas quando olhamos para o material geral, estranhamente tudo faz sentido, por pior que seja o resultado emocional. É um caminho árduo de depressão e desamparo, onde mesmo o amor que possa surgir aqui e ali é fruto de carência extrema em ambientação de dependência. Não há um painel possível onde o espectador possa esperar momentos de pausa, ainda que momentânea, do estado geral de coisas. Qualquer mínima interação entre personagens que poderia sugerir uma fuga do estado em que tudo se encontra, na verdade é traduzido em imagens e narrativa de forma a reintroduzir o drama no contexto geral. Só a morte libertará do tormento aquelas figuras entristecidas?
O elenco traz um grupo de atores que parece ter entendido muito bem o contexto da obra. Shea Whigham, por exemplo, não lembro de já tê-lo visto fazendo qualquer outra coisa que não uma derivação, com mais ou menos caráter, desse mesmo protagonista. Ainda que seja um belo desempenho, é um samba de uma nota só, generalizado. Olivia Munn, ela sim geralmente mais leve, aqui é colocada em uma seara de sofrimento de rivalizar com as mocinhas de Janete Clair – óbvio, levando em consideração que novela alguma teve uma protagonista viciada em drogas. Bruce Dern, com sua habitual competência, consegue enfim trazer uma lufada de vida pra dentro de um filme que cheira a morte do início ao fim. Não que seja um tipo leve que ele interpreta, mas sua presença sugere libertação, revolta e inconformidade com o que a vida lhe apresenta, e não aceitação passiva a respeito do fim. Ou seja, estava dentro do elenco de Cruzando a Linha uma forma de ver as coisas que poderia manter o tom soturno do todo, mas que se apresentasse com uma fúria que o filme escolheu não ter.
Um grande momento
O acerto de contas entre pai e filho