Em 2009 o Cenas de Cinema esteve presente em cinco dos mais importantes festivais de cinema do país. Passando por Gramado, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, foram conferidas mais de 200 produções dos mais diversos gêneros e nacionalidades.
Diferente dos anos anteriores, quando a idade e a memória permitiam um número insano de filmes vistos, houve tempo para circular entre os bastidores dos eventos, conhecer pessoas e, o mais importante, digerir melhor tudo aquilo que foi visto.
Entre as muitas sessões, como sempre acontece, experiências inesquecíveis se misturaram àquelas desnecessárias e saldo final acrescentou muito à bagagem cinematográfica que só mesmo a presença nas salas pode dar a alguém.
Marcado pela incoerência de um prêmio à Xuxa Meneghel por sua contribuição ao cinema, independente de toda a polêmica envolvendo o título Amor, Estranho Amor com distribuição proibida pela própria; o altíssimo preço dos ingressos e o desfile diário de subcelebridades, o festival mais glamuroso do circuito trouxe uma seleção de títulos latino-americanos superior à nacional.
Entre os destaques, o sensível e apaixonante Gigante, de Adrián Biniez, e o não menos envolvente La Teta Assustada, de Claudia Llosa. A qualidade se manteve no documentário de Fernando Solanas, A Próxima Estação, sobre a malha ferroviária argentina, e no belo e feminino drama Chuva, de Paula Hernandez.
Da produção nacional, Corumbiara emocionou a platéia ao contar o massacre dos índios em Rondônia e a busca do seu diretor, Vicente Carelli, por sobreviventes para contar a história. Estréia na direção de Helena Ignez, eterna musa do cinema novo, Canção de Baal, apesar da inconstância, trouxe um ar novo a tudo que se produz por aqui hoje em dia, assim como Corpos Celestes, que na parceria de Marcos Jorge e Fernando Severo brincou de quebrar as estruturas padrões.
Entre os curtas, destaque para a inovadora animação Josué e o Pé de Macaxeira, de Diogo Viegas; o divertido A Invasão do Alegrete, de Diego Müller, e o bonitinho conto infantil Ernesto no País do Futebol, de André Queiroz e Thaís Bologna. A inovação estilística também chamou atenção para o documentário Olhos de Ressaca, de Petra Costa, um dos mais premiados do ano, assim como a sensibilidade da história de O Teu Sorriso, de Pedro Freire, que marcou presença no Festival de Veneza e em vários outros festivais do país.
Alguns títulos, porém, decepcionaram e outros não conseguiram chamar atenção, como os longas Quase um Tango…, de Sérgio Silva e Nochebuena, de Maria Camila Loboguerrero.
Com dois títulos promissores selecionados para a abertura e o encerramento (Aconteceu em Woodstock, de Ang Lee, e Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino, respectivamente), o Festival do Rio levou muita gente para dentro das várias salas de exibição espalhadas pela cidade. Em sua programação vários títulos muito esperados e algumas boas surpresas, além da presença de grandes realizadores, como os cineastas Agnés Varda e Juan José Campanella, entre outros.
Como o número de filmes é muito grande, impossível falar de todos que cumpriram as expectativas e daqueles que poderiam ter ido melhor do que foram, mas alguns merecem ser citados.
Dos longas brasileiros fora da competição, os destaques ficam para o drama juvenil Antes que o Mundo Acabe, estréia de Ana Luiza Azevedo que já tinha chamado a atenção no Festival de Paulínia, e o documentário Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski sobre a participação do empresariado na ditadura militar.
Entre os concorrentes ao Troféu Redentor, O belo Os Famosos e os Duendes da Morte, de Esmir Filho, e o viajante Natimorto, de Paulo Machline, surpreendem. O longa Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo aposta na inovação do estilo e também agrada, mas não a todos.
Nas sessões internacionais, as melhores surpresas foram A Fita Branca, um duro passeio pelas raízes do nazismo, e (500) Dias com Ela, uma comédia romântica às avessas. Outra aposta acertada foi O Segredo dos Seus Olhos, sensível e elegante como todos os outros filmes de Campanella. Na categoria diversão pura, Black Dynamite não deixa nada a desejar.
Entre aqueles que não precisavam ser vistos estão o português Amália, sobre a cantora de fado Amália Rodrigues; o chinês O Fim do Amor e o pseudo-documentário brasileiro Flordelis – Basta uma Palavra para Mudar. Os curtas selecionados também ficaram devendo.
No final de outubro foi a vez da capital paulista receber o seu festival. A tradicional Mostra de cinema chegou aos cinemas da cidade com mais de 400 títulos e, como em todos os anos, muitas dúvidas na hora de escolhe-los.
Com arte da dupla Os Gêmeos, o festival manteve a presença de velhos nomes e não deixou de apostar nos novos talentos. Sessões lotadas e a presença de vários realizadores foram os pontos altos do evento.
Entre os melhores filmes da seleção estão 35 Doses de Rum, de Claire Denis; Mau Dia para Pescar, de Alvaro Brechner; À Procura de Eric, de Ken Loach; e Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu. O canadense Eu Matei a Minha Mãe, de Xavier Dolan foi uma das boas surpresas.
Vários dos títulos escolhidos já estavam dando o que falar mesmo antes das primeiras exibições em festivais. Foi o caso de O Fantástico Sr. Raposo, primeira animação de Wes Anderson; Maradona, documentário de Emir Kusturica sobre o famoso jogador de futebol argentino, e O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, ilusão de Terry Gilliam aos moldes de As Aventuras do Barão Munchausen.
No mais, a maioria dos títulos estava dentro da média e não apresentava grandes problemas. Só mesmo o juvenil A Oeste de Plutão, de Henry Bernadet e Myriam Verreault poderia ter ficado de fora.
Com a maioria dos títulos já conferidos a esta altura do campeonato, em Brasília houve mais tempo para conferir as mostras paralelas e rever alguns dos títulos que precisavam ser redescobertos. Foi lá que Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo fez mais sentido para mim, por exemplo, assim com Insolação, de Daniela Thomas e Filipe Hirsch.
Entre os títulos que chamaram atenção estão Ricky, conto de fadas de François Ozon, e o do terror fantástico coreano Epitáfio, de Sik Jeong e Bum-sik Jeong. Também da Coréia veio aquele que está no topo da lista de todos os festivais do ano, o sensível e criativo Mother, de Joon-ho Bong.
Pessoalmente, A Fuga da Mulher Gorila é o que fica mais atrás na lista dos conferidos aqui.
Com pouquíssimo tempo de intervalo entre os dois festivais e as pilhas já pedindo uma recarga, começou aquele que foi o primeiro festival da minha vida, há 12 anos atrás. O tradicional Festival de Brasília movimentou a capital e deu o que falar ao escolher o novo filme de Fábio Barreto, Lula, o Filho do Brasil, para a sua abertura.
Em uma sessão concorridíssima no Teatro Nacional, os convidados dividiram o espaço (ou a falta dele) com políticos e jornalistas. Tinha gente amontoada nas escadas, em pé ao longo da parede e até deitada na rampa de acesso para conferir o melodrama sobre as primeiras fases da vida do presidente. Com os atores sem lugar para sentar, Fábio e Luiz Carlos Barreto ainda tentaram sugerir uma nova sessão do filme e chegaram a ser vaiados pelo apertado público.
Seguindo a tendência do ano passado, o número de documentários selecionados para a mostra competitiva foi grande. Entre eles, Filhos de João, o Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas, e Quebradeiras, um Evaldo Mocarzel diferente de tudo que já fez antes, merecem atenção. É Proibido Fumar tem uma pegada mais comercial, mas é interessante.
Os maiores destaques ficaram com os curtas em 35 mm. Amigos Bizarros de Ricardinho, de Augusto Canani, é uma mistura bem sucedida de Jorge Furtado e Wes Anderson e Recife Frio, de Kleber Mendonça é uma divertida crítica a tantas coisas que nem parece ser só um curta. Outro que merece ser citado é Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos, com Camilo Cavalcanti mais uma vez mostrando sua habilidade para fazer poesia com imagens.
Do lado negativo do festival está Perdão, Mister Fiel, documentário do jornalista Jorge Oliveira. Ainda que tenha um conteúdo interessante e até bombástico, o filme tropeça tantas vezes em si mesmo que não consegue acontecer.
Foi assim que segundo semestre passou para o Cenas de Cinema: de festival em festival, entre filmes bons, normais, medianos e ruins e muitas histórias para contar. Na correria, algumas vezes é preciso optar entre ver os filmes ou escrever sobre eles e, por isso, nem todos podem ser encontrados comentados aqui. Pelo menos não por enquanto.
Agora é esperar pelo próximo ano e seus festivais.