Crítica | Festival

Ilha

(Ilha, BRA, 2018)
Drama
Direção: Glenda Nicácio, Ary Rosa
Elenco: Aldri Anunciação, Thacle de Souza, Aline Brune, Arlete Dias, Sérgio Laurentino, Renan Motta, Ridson Reis, Valdinéia Soriano
Roteiro: Ary Rosa
Duração: 94 min.
Nota: 5 ★★★★★☆☆☆☆☆

Os diretores Ary Rosa e Glenda Nicácio ficaram cercados de holofotes por todos os lados após o sucesso de Café com Canela, primeiro longa da dupla formada na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Foram muitos prêmios em festivais, sessões lotadas e elogios à energia afetuosa do filme, porém os cineastas parecem ter tomado como incentivo para o projeto seguinte – este Ilha – as críticas que observaram sobre seus problemas técnicos e de linguagem cinematográfica.

O segundo longa é, por natureza, a prova de fogo que pode direcionar à consolidação da carreira ou ao retorno à estaca zero, e Ary e Glenda levaram isso ao pé da letra realizando uma obra que tem a clara intenção de mostrar como eles dominam plenamente a dita arte sétima e não vão recuar.

Os personagens principais são Henrique (Aldri Anunciação), cineasta sequestrado para fazer um filme, e Emerson (Renan Motta), traficante cinéfilo que quer contar sua história. Henrique ganha uma câmera para registrar a parte ficcional do projeto, enquanto Thacle, amigo de Emerson, é o cinegrafista amador responsável por acompanhar os bastidores da produção, especialmente a relação entre os codiretores.

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É desse último a câmera principal de Ilha, o que legitima o retorno do experimentalismo difuso e das subjetivas de Café com Canela, tendo como contraponto as gravações supostamente mais dentro do padrão de Henrique [que, no entanto, não resiste a repetir a controversa subjetiva de cachorro (!)], para ressaltar que Glenda e Ary entendem ambos, só fizeram a opção pelo primeiro estilo e assim continuarão.

Estão na boca de Emerson e nas imagens de Thacle a defesa de autor dos cineastas, que elaboram quase que um novo manifesto encabeçado por frase setentista de Rogério Sganzerla: “filmes subdesenvolvidos por natureza e vocação”. Fala-se muito em coragem, é questionada a autorização para filmar, é criticada a obsessão do pensamento em dinheiro, é rechaçada a simples sugestão do cinema como brincadeira. É sério, é verdade mesmo quando ficcional, é participativo, usa táticas de guerrilha, é conquistado pelo negro periférico na raça, correndo atrás, nem sempre seguindo as regras estabelecidas.

O cineasta cooptado pela indústria, sequestrado para reencontrar seu cinema visceral e recuperar o tesão na ilha em que está abandonada a autêntica nação, representa o outro, talvez você, a crítica, o cinemão, o profissional conceituado que a princípio julga tudo como ridículo e tosco e deve mudar de ideia pelo amor, pela dor ou pelo cansaço. Uma via que teria funcionado muito bem seria pelo humor, que até é usado no início, no estabelecimento da metalinguagem, mas logo descartado em prol de filosofias de boteco, confidências muito íntimas e provocações abordadas como que pisando em ovos. Em Ilha, a leveza pesa, o drama carece de impacto e o esforço perceptível é tamanho nos dois casos que a graça até pode ressurgir de forma totalmente involuntária.

Assim como Café com Canela era muito filme de estreante, cheio de energia e ideias e tentativas nem sempre bem-sucedidas, Ilha é como um filme de estreante parte 2 – “agora com moral, dinheiro e mais experiência”. A inventividade e a personalidade se fazem presentes e ocorreu um amadurecimento, mas a profusão mostra-se mais uma vez uma questão problemática, tendo em vista que a alternância dos estilos dos diretores de fotografia (Henrique e Thacle) se perde em diversos momentos; os filmes dentro do filme não fazem sentido; várias coisas não fariam a menor falta se cortadas (como a senhora Brasil, trechos do teste de elenco), e o encerramento é uma sucessão de eventos atabalhoados digna de capítulo final de novela, em que tem que haver a solução do mistério, a cena de chorar, a mensagem inspiradora, a crítica social e a homenagem bonita ao cinema – afinal é ele a razão de tudo isso e tudo aquilo e além de tudo uma ilha onde nem todos conseguem e desejam entrar ou sair.

Rosa e Nicácio chegaram e avisam, ainda um pouco desafinados, mas com megafone, que os incomodados que se mudem.

Um Grande Momento:
“E se tiver que beijar homem no filme?”

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Taiani Mendes

Crítica de cinema, escritora, poeta de quinta, roteirista e estudante de História da Arte. Também é carioca, tricolor e muito viciada em filmes e algumas séries dos anos 90/00.
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