- Gênero: Suspense
- Direção: Thomas Bezucha
- Roteiro: Thomas Bezucha
- Elenco: Diane Lane, Kevin Costner, Kayli Carter, Ryan Bruce, Otto Hornung, Bram Hornung, Lesley Manville, Will Brittain, Jeffrey Donovan
- Duração: 113 minutos
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“A vida é o que perdemos dela…”
Certos filmes tem o poder de nos tirar do prumo… olho pro computador e tento lembrar das cenas de Deixe-o Partir – em vão. Não vem uma cena específica, mas o filme todo em ondas. Poderia ficar horas aqui elaborando o que escrever sobre o filme novo de Thomas Bezucha que acaba de estrear no Première Telecine, e me vem a certeza de que o faroeste revisionista aplicado aqui me leva diretamente para o que de melhor já foi produzido no gênero, de Os Brutos Também Amam a Os Imperdoáveis, essas peças emocionais que exploram tanto o espaço geográfico externo quanto os mapas humanos de seus personagens.
O primeiro acorde da primorosa trilha de Michael Giacchino só toca às vésperas de completar 20 minutos de projeção, quando o filme dá seu primeiro solavanco. Até então, um silencioso e melancólico conto de luto parental se desenhava de maneira delicada, explorando os silêncios entre o casal George e Margaret Blackledge em sua dinâmica familiar devastada. Passo a passo, a narrativa justifica seus meandros e vai construindo o mosaico deste núcleo despedaçado. O que o filme nunca deixa o espectador questionar, até pela jornada que seus protagonistas farão, é o profundo sentimento que os une.
Vindo de inofensivos filmes familiares, Bezucha precisou de um sumiço de quase 10 anos para aparecer absolutamente amadurecido. Em tudo realçando os dogmas do faroeste tradicional, o filme escancara suas intenções quando o casal protagonista na direção de seus propósitos encostam em uma pradaria e encontram um nativo indígena, em uma das grandes cenas do filme – talvez a mais emocionante. O jovem relata, em diferentes passagens, como foi extirpado de suas raízes, transformado-se em uma figura vazia e resiliente. A presença desse personagem não é apenas referencial de gênero, o filme respeita muito a presença dele, a honra e tenta dar a dignidade que seu povo perdeu historicamente.
Baseado no romance de Larry Watson, Deixe-o Partir não se fundamenta em cima de situações inusitadas. Não, sua narrativa que transborda as cartilhas é um ponto de acesso à sua realização e a forma como esses elementos são posicionados dentro da obra, em seu tempo particular suspenso. Na conta dessa revisitação, os mitos dramáticos que nos acostumamos a acompanhar estão reconfigurados aqui para que sua abordagem sirva à mise-en-scène, ao acordo travado entre autoralidade e naturalismo, que insere um recorte de gênero tão reverenciado aqui quanto pouco visitado em uma chave humanista, com a histeria rasgando o molde firmado para certificar Cinema.
O encontro entre a construção naturalista da história familiar dos Blackledge com a mitificação familiar dos Weboy, enquanto papel historiográfico do tradicional faroeste americano, é uma das chaves mais bem sucedidas de Deixe-o Partir. Enquanto um dado narrativo caminha com suavidade por uma raia de um cinema mais centrado na tradição humana do cinema indie, a outra fatia rasga sem pudor a tela em direção ao que são os chavões do gênero em todos os tempos, e no meio desse encontro, promover a subversão. Além da figura indígena retrabalhada, tem o papel da mulher enquanto figura central das resoluções da trama, não apenas no que concerne a teoria, mas também na prática, sem necessariamente acessar o discurso de empoderamento; ele está na disposição feita naturalmente.
Que o filme reutilize a figura de Kevin Costner (o homem por trás de Dança com Lobos, Wyatt Earp, Pacto de Justiça, entre outros) para mais uma vez ressignificar o tradicional western, e que Costner atravesse o filme como um observador servil prestes a atacar, é um claro sinal autoral que engloba até a escalação, assim como a de Diane Lane – ambos impressionantes em suas interiorizações que não apagam a turbulência interior. Mas a presença magnética de Lesley Manville (Trama Fantasma e Mais um Ano) demarca o quadro pretendido no olhar para a tradição do western para o cinema.
Em uma produção sentenciada pela perda constante, por escolhas decisivas que nos são impostas e na audácia que alguns precisam ter na intencionalidade de mudar o rumo das coisas, o olhar arrebatador para a ferocidade adormecida em todos nós é uma das mais potentes versões que Bezucha apresenta em seu filme. O faroeste é também um conhecido gênero a lidar com a mortalidade prematura, mas ao propor uma nova ressurreição dentro do que ainda é possível alcançar, o diretor alça um voo não antes compreendido na carreira, daquelas revitalizações inesperadas e mágicas a um só tempo.
Um grande momento
Morango e você
O filme é tudo isso aí que você tão bem analisou. Não sei se foi intencional, mas o carro tem papel importante na trama, como os cavalos nos westerns.
Faroeste moderno e humanista com um casal de idosos afinadissimos. Um bom filme!