Amour

Amour conta a história do casal Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant), dois idosos que, para além dos problemas cotidianas com a família e até a limitação da agilidade para se movimentar, também têm que passar pelas dificuldades causadas pela idade avançada, mas sempre demonstrando um extremo carinho, respeito, companheirismo e amor um pelo outro, não importa o quanto suas saúdes fiquem ou não debilitadas.

Os problemas entre o casal, contudo, começam a surgir quando Anne passa a sofrer com os sintomas da paralisia que lhe afeta em razão da velhice, e que causa um verdadeiro desespero em Georges que, acostumado com a companheira de vida ativa, não sabe como reagir à doença que acomete a esposa.

A teimosia de Anne coloca o marido em uma posição ainda mais difícil, pois, ciente de que sua companheira não está saudável, a um só tempo, deseja vê-la melhor e levá-la ao médico para pedir ajuda, e também ser compreensivo e respeitar a opção da esposa, de não procurar ajuda, já que ela tem medo de médicos e não gosta de ser cuidada.

Com a evolução da doença da esposa, e ciente da promessa que fez a ela, de que não a levaria novamente ao hospital, Georges fica diante de um dilema moral, que lhe atribui o dever de escolher entre respeitar as vontades da esposa ou observar a lei e, neste momento, toma uma das decisões mais difíceis de sua vida.

A decisão do protagonista traz à tona o debate jurídico sobre a eutanásia, a qual é vista, para muitos, como um atentado contra a vida alheia, mas, para outros, como uma forma de otimizar o sofrimento tanto do paciente, quanto de sua família, que acompanha a dor diária do acometido.

A eutanásia consiste em encurtar a vida do indivíduo, ao argumento de lhe reduzir ou obstar o sofrimento intratável, e divide-se em duas modalidades: a eutanásia ativa – quando o médico ministra substância letal ao paciente, proporcionando-lhe a morte por meios dignos e indolores, após prévia solicitação do paciente -; e eutanásia passiva – quando a conduta médica era cabível, mas o médico se omite de realizá-la, para encurtar a vida do paciente.

Ambas as formas de eutanásia são consideradas uma espécie de afirmação da autonomia da vontade dos pacientes, contudo, por ser necessária a intervenção de um terceiro, são veemente proibidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, que as tratam como formas de violação do direito à vida.

Vale destacar que o legislador manteve sua coerência em determinar a proibição da eutanásia, na medida em que, assim como não se pune o indivíduo que quer e tenta suicidar, por outro lado pune aquele que auxilia o suicídio e, seguindo o mesmo raciocínio, pune aquele que auxilia a morte do paciente que quer realizar a eutanásia.

A diferença, contudo, restaria descrita no argumento de que a eutanásia visa colocar fim a uma enfermidade incurável e um sofrimento demasiado que acomete o paciente, de forma diversa ao que acontece com o suicida, que a busca acabar com a própria vida, independentemente de pré-existir uma enfermidade e ela ser ou não curável, portanto, há quem defenda que a assistência médica à eutanásia não pode ser punida como ou comparada com a assistência ao suicídio.

Diferentemente da eutanásia, que é proibida no Brasil, a ortotanásia é considerada também uma forma de encurtamento da vida, mas é lícita, porquanto consiste não em uma intervenção direta contra a vida, e sim em uma intervenção contra medicamentos que poderiam prolongar a vida e a dor do paciente.

Em outros termos, pode-se dizer que a eutanásia antecipa a morte, ao passo que a ortotanásia apenas aceita a mortalidade e, portanto, na ortotanásia são fornecidos os cuidados necessários e meios regulares para que o paciente não sofra e difere-se da eutanásia passiva, pela qual são omitidos procedimentos objetivando-se a morte do paciente.

De toda sorte, atualmente, a consumação da eutanásia, por não estar descrita em um tipo penal específico, é punida como prática de auxílio ao suicídio; homicídio por motivo piedoso; ou omissão de socorro.

O debate, contudo, abarca questões éticas, morais, religiosas, legais e constitucionais, razão pela qual é extremamente difícil se chegar a um consenso sobre qual seria a mais adequada forma de se prever a eutanásia: como uma conduta lícita ou ilícita.

Vale destacar que, ao mesmo tempo que nosso ordenamento jurídico protege a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade, ele também protege a vida e, por isso, há o que se denomina de colisão de direitos fundamentais, quando se trata de eutanásia e, atualmente, prevalece o direito à vida.

As fundamentações para a prevalência do direito à vida, contudo, não apenas abarcam o texto constitucional, mas também alcançam argumentos morais e religiosos, no sentido de que não há argumento plausível para justificar a limitação do tempo de vida de quem quer que seja, ainda que esta seja a vontade da própria pessoa.

Daí surge o questionamento: por que é imoral permitir que a pessoa escolha abreviar a própria vida e o próprio sofrimento, mas é moral deixar que o Estado lhe obrigue a sofrer por anos a fio? Por que é imoral permitir que a família escolha pela morte de um parente acometido com doença incurável, mas é moral assegurar que motivações religiosas os obriguem a conviver diariamente com a doença e a dor desse parente?

Em que pese estes questionamentos, contudo, é preciso compreender que não há consenso nem na doutrina jurídica, nem mesmo nos estudos médicos sobre se a eutanásia deveria ou não ser uma conduta lícita, de modo que, por ora, é considerada ilícita.

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(Amour, AUT/FRA/ALE, 201, 127 min.)
Drama | Direção: Michael Haneke | Roteiro: Michael Haneke | Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert, Alexandre Tharaud, William Shimell

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