Crítica | Outras metragens

As Belezas de Garden City

(Garden City Beautiful, EUA, 2019)

  • Gênero: Experimental
  • Direção: Ben Balcom
  • Roteiro: Ben Balcom
  • Duração: 11 minutos
  • Nota:

Olhar para o futuro com olhos utópicos é uma forma de afastar o presente, ou nos posicionar menos céticos em relação a sociedade; o bom cinema de gênero transita entre tempos para olhar para si. As Belezas de Garden City abre com uma fala: “houve um tempo em que todos cuidavam de si mesmos, mas agora isso tudo se foi”. Ben Balcom sabe o quanto de ironia isso se aplica, tanto na realidade do nosso virtual quanto na virtualidade real que seu filme propõe. A partir dessa frase dita de maneira melancólica, nos apossamos de um recorte social futurista que não deixa de se conectar com a vida real – é a ficção científica fazendo o seu papel, de discutir e refletir o hoje.

O filme observa a salvação de Garden City diante de um colapso que varreu o planeta. A cidade é um oásis de sobrevivência por ter conseguido o que ninguém conseguiu, a adaptação necessária. Em todos os polos, essa reabilitação social ocorreu de maneira organizada e, enquanto sociedade, o futuro se avizinha positivo, certo? Ben, no entanto, quebra nosso olhar ao repetir o processo em voz diferente, e aí aquela fagulha de esperança se esvai imediatamente para que fique na superfície o valor das alterações, que na verdade só criaram novas formas reformuladas de rotina carcerária.

As Belezas de Garden City

Ao espelhar os relatos de dois habitantes da nova Garden City, Balcom deixa em seu filme o agridoce aroma da evolução, que na verdade presa ao capitalismo de sempre, às obrigatoriedades de sempre, ao espaço físico de sempre, não deverá considerar-se a evolução pretendida, mas possivelmente uma mudança momentânea para vencer uma fadiga inerente a todos nós; toda máquina utilizada precisa de descanso, no silêncio da noite ou à beira do córrego.

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O futuro chegou, mas o autor mostra que nada mudou necessariamente; o moralismo ainda destrói as liberdades individuais, o conformismo ainda assola a sociedade até nos colocarmos no mesmo patamar dos autômatos. As paisagens contam com as rachaduras de sempre, para nos lembrar que nenhuma evolução é possível sem que as ordens superiores acessem o próprio âmago. Balcom capta o espírito de um tempo para refletir o único futuro possível, um conto (sem fadas) real.

Um grande momento
De olhos bem fechados

As Belezas de Garden City

[4º Festival Ecrã]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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