Esta Noite, Você Dorme Comigo

A despeito do estímulo à Polônia dado pela Netflix, a estreia desse Esta Noite, Você Dorme Comigo prova como variações de 365 Dias tendem a ser exatamente o que a expressão diz: variações de 365 Dias. Já apresentado o copo meio vazio, passemos então ao que os afasta um do outro, e que torna essa estreia de hoje algo minimamente apresentável. Na verdade, algo está sendo dito ali, de maneira adulta e sem reservas, sendo muito mais econômico, sem precisar se arrastar por alguma densidade estética. Direta, a produção vem falar mais uma vez de um tema que o ser humano adulto tenta fingir não existir – o medo. Mais uma vez, estamos falando de algo muito mais próximo de nós do que gostaríamos de lembrar existir. 

Dirigido por Robert Wichrowski, a produção difere da abordagem fabular que é aplicada ao medo muito humano visto em As Múmias e o Anel Perdido porque aqui as pessoas (mais precisamente a protagonista) verbaliza seus temores, com riqueza de detalhes. Como a maior parte dos adultos, Nina tem medo de mudar. Não apenas da aventura, mas do risco que se abre ao tentar se abrir à chegada do novo, por mais estimulante que isso seja. Não é uma trava compreendida no inconsciente, mas está na superfície das ações mesmo. Por melhores que pareçam os dividendos futuros, o acúmulo de frustrações acaba gerando uma demanda por paz de espírito, e encarar o amanhã liberto pode ser muito desafiador, e assustador. Mas o medo não deveria ser limitador de ações e emoções, sobre isso Esta Noite, Você Dorme Comigo consegue demonstrar a falta de qualidade de vida que detona um quadro como esse.

O argumento é identificação absolutamente plausível a qualquer um que tenha chego aos 30 anos, e a cada novo ano de vida, a identificação passa a aflorar em outro do trio de protagonistas, de acordo com cada sonho, gênero e momento de vida. Esta Noite, Você Dorme Comigo cerca essas três pessoas por um período de 10 anos + 1 mês; o primeiro período é um flashback para que o passado se faça intelegível, e o segundo é o tempo corrido do filme, muito pouco para justificar cada nova nuance apresentada. É um combo muito apressado, onde os blocos de eventos se atropelam sem pensar em quanto cada um ali precisa se ocupar para dar conta de tantas mudanças, principalmente internas. Não soa apenas como apressado, mas como ilógico e quase infantil, mesmo que em grande parte das vezes os adultos soem como tais. 

Infelizmente, é uma adaptação de um livro (que fica claro pelo final aberto que virão as adaptações dos próximos) muito comum no que vemos acontecer, em boas ou más transposições. Com o material publicado mais extenso do que caberia em uma produção, opta-se por lacunas absurdas que, aqui, denunciam uma falta de coerência dos personagens, tendo em vista que decisões importantes parecem sempre serem tomadas na força do impulso. Isso não seria um problema se os personagens não fossem todos vestidos de aparente inteligência emocional, que o filme atropela para que os eventos não fiquem de fora. O que poderia ser então um avanço narrativo na trilogia pornô soft polonesa, não passa de apenas um passo pra frente. 

Porque não adianta muito você adensar um roteiro, se as coisas serão desenvolvidas ora com qualidade, ora sem, e aí levar todo o material pro ralo. Tematicamente, Esta Noite, Você Dorme Comigo vai a lugares que poucos filmes passeiam, já que a visão geralmente é exclusiva a mulher, em relação ao matrimônio falido – na maior parte das vezes, em culpabilidade. Aqui, vemos a responsabilidade do homem nesse desgaste, que não significa traição, e sim individualismo e arrogância. Não há julgamentos entre o que é feito, porque todos tem sua parcela de culpa, mas os eventos truncados pela passagem de dias que nunca estão bem definidos, marcam um desleixo posterior a uma obra que parecia mais dedicada. O resultado não difere muito de obras banais, apesar de sua tentativa para uma maior reflexão. 

A maturidade que Esta Noite, Você Dorme Comigo deveria demonstrar não implicaria em diminuir sua tentativa de comunicação popular. O filme tem uma trilha sonora intrusiva que deve agradar ao público, conta com uma produção elegante onde pessoas parecem normais (só vivem abastadamente e ganham um dinheiro que eu ou você nunca ganharemos), e as relações humanas são desenhadas de maneira bem decentes. Deveria ser suficiente para conquistar o público – e eu duvido que esse filme não fique entre os mais assistidos da plataforma por um tempo – e assim trazer mais bagagem aos atos dos personagens, que nunca deixam de parecer levianos e pueris. 

Um grande momento

Mãe e filha, finalmente