- Gênero: Drama
- Direção: Kornél Mundruczó
- Roteiro: Kata Weber
- Elenco: Lili Monori, Annamaria Láng, Goya Rego, Padmé Hamdemir, Jule Böwe, Harald Kolaas, Erik Major, László Katona, Róza Kertész
- Duração: 95 minutos
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A cada nova estreia, refaço os laços com a curiosidade que me unem a cinematografia de Kornél Mundruczó. Não tem necessariamente a ver com qualidade, com relevância temática ou com pretensão artística, mas também passa por esses lugares; quem estaria interessado em submergir em uma filmografia que não admira? Mas por trás desses conceitos diretos de análise, olho para o cineasta e a parceria que ele estabeleceu com sua parceira Kata Weber e meu impulso de descobrir as curvas de suas intencionalidades é recompensada com perguntas cada vez mais desafiadoras. A estreia desse novo Evolução contribui para que meus instintos agucem em sua direção, na expectativa de continuar ainda me perdendo em suas imagens. Não importa procurar por respostas, porque o casal não quer respondê-las, e sim continuar promovendo a formatação de perguntas.
Quando as pessoas se pegaram desagradadas de um Lua de Júpiter, por exemplo, eu tratei de mergulhar na muito explícita relação da imigração, de quem a vive e de quem a oprime com a estranheza que se olha para um fenômeno maior que o indivíduo, e que precisa ser acolhido independente de qualquer coisa. Em White God, a ausência de esclarecimento a um novo evento inexplicável nos conectava com o espiritual por trás da fúria ancestral entre homens e animais. Esse Evolução tem origem na palpabilidade que o Holocausto representa na História, nos desdobramentos menos óbvios a ela, nas reações mais orgânicas e prosaicas ao que se imortalizou. Não está nos livros, mas nas sensações e em como lidar com elas, e em cada tempo essa “evolução” se faz presente a partir de uma ótica própria e muito específica, que nem sempre se resolve em si e muito menos para o coletivo.
Dividido em três blocos de durações crescentes (20, 35 e 40 minutos), Evolução vai desde a fundação mais primordial do nazismo, vivido em seu auge, até os dias de hoje para uma geração que perdeu qualquer laço com o judaísmo, através de uma negação espontânea através dos tempos. No miolo, um ato de rebeldia entre mãe e filha, entre a memória e o futuro apagamento de suas causas e efeitos. Pode tudo ter um fundo muito óbvio e de reflexão pouco ostensiva, mas considero que Mundruczo e Weber pretendem tirar dos planos o poder de comunicação para que os mesmos alcancem o espectador sem subterfúgios, através principalmente do que tem a dizer em linha reta. O fluxo das imagens serve para expandir seu caráter, talvez potencializar a linguagem, mas não há uma ideia de minimizar suas possibilidades.
Cada passagem é filmada em plano-sequência longo – que, obviamente, sofre intervenções invisíveis – o que contribui para a sensação de urgência do projeto, que provoca desconforto proposital a cada nova passagem. Seja com o acúmulo de detritos do primeiro segmento, com a explosão conflituosa de uma relação familiar desgastada, ou com a interiorização de atos de apagamento, Evolução sai de um ponto de extremo até chegar na situação mais orgânica possível. Aí sim sem palavras, seus autores estão interessados em não apagar o que aconteceu, mas promover uma metamorfose no que ainda pode ser consertado. As vísceras do horror não se esconderam (vide Amor em Tempos de Polarização), mas seus tentáculos expostos serão reconfigurados através de novas associações de afeto, novas construções de história, e de revisão de História.
Com sua evidente propensão ao revisionismo de pensamento, Evolução não pretende aplaudir o esquecimento do horror que já foi propagado. As imagens que promovem a reflexão ainda compreendem um caos que precisa ser organizado dentro de cada um; fogo e água são elementos de catarse que remontam ao início dos eventos vitais. Mas essas portas de fuga do naturalismo também deixam à mostra a necessidade de mudança, e não estamos falando sobre a externalidade. Jonas, a geração de hoje ainda afetada pela guerra, consegue em seu desacerto emocional estabelecer uma distância saudável entre quem não se pode deixar de ser, e o que se pode reconstruir sobre escombros que não se apagam. É a opção viável no nosso tempo – liberdade pelo amor próprio, saber amar inclusive as próprias cicatrizes. E caso cada um de nós promova novas, saber olhar para as mesmas sem condescendência.
Um grande momento
Os tufos de cabelo, e o bebê