BERLIM – A coletiva de imprensa do Festival de Berlim acontece religiosamente dez dias antes do início do festival. Os jornalistas que residem na capital aparecem em peso. Num formato de palestra, os diretores das mostras paralelas, ao todo catorze, estão à disposição para perguntas por parte dos jornalistas. Essa é a versão pra inglês, melhor, alemão ver.
O único foco das atenções, é de fato esse senhor meio atrapalhado, que fala um inglês quebrado e que se eternizou nos anais da história do festival com o ditado: “Meu inglês é tão bom, que você o entende até mesmo em alemão”. Essa agilidade e rapidez no discurso de quem sabe exatamente o que a imprensa quer ouvir o traz um alto teor de simpatia com qual políticos desse pais só podem sonhar. Dieter Kosslick, há 10 anos no cargo de diretor do maior evento cultural alemão exerce como ninguém o seu papel de Anfitrião: seja na coletiva perante aos jornalistas, seja no tapete vermelho com as estrelas de Hollywood. Esse jeito informal contagia público, crítica e os dinossauros que desfilam com ele pelo tapete vermelho em frente ao cinema principal do festival, o Berlinale Palast, de endereço de prestígio: Praça Marlene Dietrich.
Desde o início da era Kosslick, a coletiva tem um forte aspecto de público venerando o palestrante, mesmo que da forma eufemistica típica de uma país da europa central. Os diretores das diversas mostras paralelas já se acostumaram com o papel de ponta. Um leve sorriso congelado na face e olhar longíquo da maioria deles ratifica essa impressão.
Hoje pela primeira vez a coletiva durou metade do normal, 60 minutos, e mesmo assim não deixou de ter momentos enfadonhos, repetitivos e longas descrições sobre filmes chineses de temática complexa e três horas e meia de duração, que Kosslick, em tom quase envergonhado, confessou “…serão exibidos bem tarde da noite.” Bastava um só olhar na multidão para constatar que entre cinco ouvintes, só mesmo um estava realmente concentrado nos detalhes sobre os filmes, longa e desnecessariamente delineados pelo diretor, já que o programa distribuído aos jornalistas, antes mesmo do início da coletiva, contém todas as informações detalhadas sobre os filmes à serem exibidos.
Esse ano, explica Kosslick, o festival mantém sua tradição de foco político: filmes sobre a “Primavera Árabe”, crianças-soldados no Afeganistão, filmes de diretores do Irã e da Républica da China na competição e filmes do artista chinês Ai Weiwei, que serão apresentados pelos produtores do mesmo, sem a presença do artista na capital alemã durante o festival.
Uma das minhas perguntas foi sobre o paradeiro e a frequência de contato com o diretor iraniano Jafar Panahi impedido de comparecer ao festival no ano passado por estar sob prisão domiciliar. Sobre o apoio diplomático do ministério das relações exteriores alemão ao intuito de trazê-lo para participar do festival, o diretor respondeu lacônico: “nós temos todo o apoio que precisamos, mas às vezes as coisas não deslancham mesmo…”, acrescentou em tom diplomático, enquanto reduzia o volume da voz.
Depois de já 45 minutos de coletiva e a famosa lista de estrêlas ainda não ter sido divulgada, não pude protelar mais a espera. Atrapalhado com fichas fora de ordem escorregando das mãos, Kosslick finalmente revelou o que, de fato todos na sala ansiavam: quem vem?
Êi-los:
Keanu Reeves; Meryl Streep; Antonio Banderas; Angelina Jolie, em sua estreia como diretora no filme The Land of Blood and Honey; Selma Hayek; Javier Bardem; Billy Bob Thornton; Juliette Binoche; Isabelle Huppert; Eric Brockovich, ativista ambientalista, e Marina Abramovic, performista natural da Sérvia residente em N.Y.
O fator Glamour aumenta com o excelente júri da 62ª edição, que tem um “parte do Leão” composta por europeus:
Anton Corbjin, holandês, figura-chave na fotografia pop/musical e diretor; Barbara Sukowa, a musa do diretor Rainer Werner Fassbinder na filmagem do romance de Alfred Döblin, Berlin, Alexanderplatz; François Ozon, um dos melhores diretores europeus contemporâneos por suas obras-primas de ferrenha crítica social; Charlotte Gainsbourg, atriz franco-britânica, recentemente vislumbrada em Melancolia, do rebelde Lars von Trier, e Jake Gyllenhaal, famoso mundialmente por O Segredo de Brokeback Mountain. O diretor britânico Mike Leigh (Simplesmente Feliz, Urso de Prata para Sally Hawkins em 2008), que preside o júri, completa a áurea europeia do júri internacional, que é um dos melhores dos últimos anos, numa dobradinha perfeita entre qualidade e glamour.
Asghar Farhadi, diretor iraniano vencedor do Urso de Ouro em 2001 e indicado ao Oscar de melhor roteiro original e melhor filme estrangeiro por A Separação, e Boualem Sansal, escritor argelino que vive em trânsito entre Paris e Argel, completam a equipe.
Na era Kosslick, a coletiva de imprensa do Festival de Berlim em seu formato de palestra se tornou mais um compromisso para atuantes na área de mídia, mas todos sabem que é mesmo um momento propício para confraternização entre colegas do mesmo ramo, entre os “Escolhidos” de uma turma de elite na ânsia de saciar vaidades pessoais que, no contexto do festival, estão dentro e fora do tapete vermelho.