Crítica | Outras metragens

Nossos Passos Seguirão os Seus

Recriando imagens

(Nossos Passos Seguirão os Seus, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Experimental
  • Direção: Uilton Oliveira
  • Roteiro: Uilton Oliveira
  • Elenco: Alessandro Conceição
  • Duração: 13 minutos

Cinema é imagem e tudo o que se pode compreender com essa frase. É a imagem que se cria e aquela que se preserva, um dos elementos básicos da elaboração de narrativas. O Brasil é um país que, durante muitos anos, escolheu quais eram as histórias que deveriam ser contadas e quais deveriam ser esquecidas. Parte dessa “seleção da memória” está diretamente relacionada com a produção de imagens. Ou nunca feitas ou esquecidas, as imagens que faltam, e as muitas narrativas ainda inexistentes são aquelas que trazem a negritude para o protagonismo. Histórias ignoradas, apagadas.

Nossos Passos Seguirão os Seus resgata mais uma das muitas das histórias do nosso Brasil que ficou apagada, a de Domingos Passos. Anarquista e liderança sindical encarregado de viajar pelo país compartilhando a ideia da consciência de união da classe trabalhadora, desapereceu no final dos anos 1920 em São Paulo. Filho de escravos libertos não é dele o rosto que surge ao falarem nem do movimento anarquista ou do sindicalismo revolucionário, sempre relacionado a imigrantes europeus. E se não surge é porque essas imagens jamais foram feitas e esses fatos demoraram a ser contados como deveriam.

Nossos Passos Seguirão os Seus
Cortesia Festival de Brasília

Dirigido por Uilton Oliveira, o curta experimental trabalha com essa ausência ressignificando imagens. Traz o presente para explorar a falta de acesso e aquilo que existe de passado para lembrar a existência, em velhas matérias de jornal. Ela vem do factual: o desaparecimento do operário Antônio Silva e a greve geral que Passos mobiliza para denunciar o ocorrido em 1919. Se o texto repercute o movimento, a imagem que falta chega como sombra, depois ganhando corpo na encenação.

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Quando as imagens não existem, são impossibilitadas de serem criadas ou simplesmente não as querem guardar, o cinema permite essa recriação, abre espaço para que ela seja feita. Em um Brasil não representado é importante falar de uma tendência no cinema de resgate e reconhecimento. Muitos filmes usam o que há de arquivo, com fotografias (mesmo que só uma) e vídeos, unindo a isso matérias de jornal, narrações em off e, por vezes, captações do presente. Cada um com sua gramática, veem força em seu conteúdo. Nossos Passos Seguirão os Seus se afasta dos outros por ter a consciência da ausência dessa imagem e da necessidade da construção.

Nossos Passos Seguirão os Seus
Rafael Daguerre/Cortesia Festival de Brasília

O que se vê na tela, porém, ainda é insuficiente, até pelo caráter mais intangível que o experimentalismo dá ao todo, mesmo que ali estejam a relevância de Domingos Passos como orador, suas prisões e fugas. Ainda assim, não deixa de ser uma provocação para que se pesquise e saiba mais sobre essa figura fundamental da História.

Um grande momento
Fuga

[55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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