Crítica | Streaming e VoD

Goyo

As diferenças de todos

(Goyo, ARG, 2024)
Nota  
  • Gênero: Drama, Romance
  • Direção: Marcos Carnevale
  • Roteiro: Marcos Carnevale
  • Elenco: Nicolás Furtado, Nancy Dupláa, Soledad Villamil, Pablo Rago, Cecilia Roth, Zeus Milo, Balthazar Murillo, Mayra Homar, Diego Alonso
  • Duração: 104 minutos

Alguns filmes têm o poder de nos incomodar, e ainda assim, nos tocar. Marcos Carnevale sabe muito bem como é isso, porque costuma fazê-lo com alguma frequência. Foi assim com Elsa & Fred, foi assim com Coração de Leão, e volta a ser assim com Goyo, sucesso da Netflix nas últimas duas semanas, que provoca uma dezena de sensações em quem assiste, e muitas delas não são boas. Talvez haja sempre uma ideia de tocar o espectador em um cenário de desamparo com o qual não estamos acostumados; talvez tenha um grande aproveitador por trás de tudo. Seja como for, não podemos negar sua capacidade de envolver quem o assiste em um ambiente de aconchego particular do qual dificilmente conseguimos nos livrar tão fácil. 

Se repete aqui, uma narrativa que por vezes, de tão aguda, não é impossível que se pense em desistir do programa. Não pelo incômodo que a dramaturgia provoque, pelo que o autor processe em imagens e no que constroi enquanto obra. Tal desconforto é evidente porque as escolhas que são feitas remetem a uma absoluta falta de destreza para o que vemos, como diz a personagem de Cecilia Roth em determinado momento. Mais uma vez em Goyo, estamos atados por não saber como lidar com tais assuntos, com tais elementos colocados em cena, com tais sujeitos. Isso não é feito de forma delicada, e sim de uma maneira graficamente direta, quase agressiva, onde o que presenciamos é também fruto de preconceitos e ignorâncias. Nossa, de todos. 

Então Carnevale (que também dirigiu Granizo) pretende denúncias com suas obras, refletir socialmente sobre desvalidos e suas inseguranças, como cada curva bate nele e reflete em nós? Não sei exatamente se há consciência suficiente para tal, mas o que vemos são retratos de ausências, ainda que estejam em molduras cômicas muitas vezes. Aqui, há o agridoce do drama, de um amor impossível pelo excesso de diferenças. Goyo é um filme que acena para o que tenta dizer, mesmo que tais falas não saiam exatamente da maneira menos pesada; esse aceno não significa solução, mas que coisas são e serão propostas, que podem dar certo ou errado. Para além do que o filme mostra, o mais espantoso é perceber que relações humanas são fadadas ao erro, à incompreensão e ao defeito, muitas vezes. 

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Porque então culpar Goyo pelo que ele não consegue elaborar do dito “normal”? O que o roteiro de Carnevale insiste o tempo todo é em mostrar que as dificuldades da condição austista de seu protagonista o fazem diferente, mas que todas as outras dificuldades são comuns a qualquer um que nós. A sapiência e a sagacidade que o personagem consegue ter, muitas vezes não é percebida por quem o rodeia, e isso obviamente faz de Goyo um filme inclusivo sem pensar muito. Mas o que é inclusão em alguns dados, não o é em muitos outros, e essas coisas acabam por emperrar a discussão do filme, visto que suas intenções até podem ser as melhores, ainda que a forma de fazê-las esbarre em algumas muitas interferências. 

O trabalho de Nicolás Furtado, em todos os sentidos, nos envolve para dentro de Goyo de maneira indissolúvel, e reverbera em quem assiste por muito tempo. O jovem ator não está no espectro autista, e por isso sua escolha talvez denuncie ainda uma falta de inclusão para atores com esse quadro, mas não há como negar a excelência de sua composição. Tanto no que demonstra, na forma como olha para o interlocutor ou para o campo cênico, quanto no que parece sentir a partir de cada experiência presenciada por seu personagem, o ator tem inteligência emocional suficiente para absorver toda a humanidade envolvida nesse trabalho, e transformar em força motora. Suas capacidades acabam por contaminar a todos que compartilham cena com ele, mas a química que ele estabelece com Nancy Dupláa vai além do esperado. 

Um grande momento
O convite para jantar

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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