Crítica | CinemaDestaque

Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes

Freak show

(Hurry Up Tomorrow , EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Trey Edward Shults
  • Roteiro: Trey Edward Shults, The Weeknd, Reza Fahim
  • Elenco: The Weeknd, Jenna Ortega, Barry Keoghan, Paul L. Davies
  • Duração: 100 minutos

Confesso que não estava preparado para Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes, novo filme do diretor Trey Edward Shults que estreia nos cinemas essa semana; ou seria melhor dizer que ninguém estará. Primeiro porque, na aparente autoralidade que ele continua exercendo no projeto, assinando como roteirista também, esse não é um filme dele, lato sensu. Esse é um projeto ambicioso de Abel Tesfaye, ou melhor, The Weeknd, multi artista que está lançando o combo “álbum+filme+turnê”, um projeto arriscado em todas as frentes, e que poderia lançar uma luz diferenciada sobre as inovações que ele já vem trazendo à música, de alguma forma. No que compete esse texto, mais precisamente, a porção audiovisual da operação é inexplicável de muitas formas, e também absolutamente previsível em seus intentos. Dentro da narrativa e fora dela. 

Podemos definir a produção como uma imensa egotrip do artista? Sim, até livrando um pouco da sua cara nessa questão, porque seria o natural de um projeto desse tamanho, com essa ambição, e com seu envolvimento tão ostensivo, não ser uma egotrip; esse é um direito dele. Como projeto seu, na verdade, estamos diante de uma obra tão autocentrada, que em determinado ponto nos descolamos do que está em exibição, quase como se não fôssemos necessários ali. Mas sim, somos, e não apenas para formar um público e uma audiência interessados no que ele tem a dizer, mas exatamente pelo que é dito. Quem acompanha o universo da séries, sabe que The Weeknd lançou há dois anos O Ídolo, projetamente igualmente com sua marca e seu rosto protagonizando, que não conseguiu sobreviver a acusações de misoginia e machismo dentro e fora das telas. Hurry Up Tomorrow seria uma tentativa de limpar sua barra? Esperamos não ter sido a intenção, embora pareça em demasia, porque se foi, sinto informar a Tesfaye que a emenda ficou muito pior que o soneto. 

Os primeiros 20 minutos da produção são apresentados como uma indução às piores sensações possíveis, que elas se desloquem do protagonista até fora da tela: angústia, desespero, alucinação, desordem mental, alucinação. O diretor, que em seu currículo tem belos longas como Ao Cair da Noite, aqui tenta promover esse estado transtornado no qual se encontra seu personagem central. E quem ele é? Um cantor pop no auge do sucesso, chamado Abel Tesfaye, ou simplesmente The Weeknd – reconhecem alguém com esse nome? De um lado, tal pessoa se encontra em desorientação durante o início de um show que se transformará em turnê; do outro, uma jovem mulher incendeia uma casa de campo e foge. Esses eventos irão se conectar quando ela estiver assistindo a apresentação dele. A ideia de não apresentar suas armas de cara transformam o filme em uma experimental sessão de auto análise, pouco recomendável. 

O que acontece a partir desse encontro é uma espiral de momentos que parecem gritar a plenos pulmões a respeito da inocência de um pobre homem perseguido por mulheres, sejam elas suas namoradas, sua mãe ou a figura feminina mais densa de todas, sua consciência. Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes não apresenta nada ao longo de 100 minutos que não seja uma artimanha cheia de curvas para refazer a imagem de um artista que não estreou positivamente como ator, onde inclusive arranhou sua imagem como um todo. O contexto geral não é sustentado pela produção, que mete os pés pelas mãos retornando sempre ao ponto onde o artista é visto constantemente com os defeitos que tenta esconder. Em diversas passagens, a reação do espectador é a de tão desavergonhado absurdo, que o resultado não consegue ser outro que não gargalhadas altas, diante do manancial de absurdos elencados pelo roteiro. Dentre eles, a tentativa galhofeira de mostrar seu protagonista (ator e personagem) como um pobre coitado que sofre na mão de quem passa pela sua frente. 

A salada de referências cinematográficas mostra que o cineasta e seu herói são antenados com o que mais representativo se enquadra na área pretendida, e vai de Réquiem para um Sonho a Louca Obsessão. Mas a cada tentativa de se mostrar mais artístico e elevado, Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes só parece dedicado à comédia mais abstrata. O conceito de manutenção da carreira chega em grau tão agudo que em determinado momento, a personagem de Jenna Ortega (de Wandinha e os mais recentes episódios de Pânico) resolve ler alegoricamente o que diz os maiores sucessos do artista. Somos colocados diante de uma cena das mais constrangedoras. Ao analisar a obra do artista para o próprio artista, refém de suas palavras e ações, se mostra sempre carregado de dor, provocado por um grupo de mulheres que o perseguem. 

Porco no que tem de estético (e que com certeza é visto com qualidade por quem o realizou), e ainda mais pernicioso no que tem a discursar, Hurry Up Tomorrow – Além dos Holofotes se assemelha a uma festa onde o anfitrião a preparou para atender apenas a si. Vazio de qualquer coisa que se assemelhe a inocência, saímos da sessão com a sensação de que fomos usados continuamente por alguém que não se importa com quem quer que seja, e me pego pensando nos fãs que seguem tal astro. O que adiantam os esforços, ainda que risíveis em muitos momentos, se a intenção por trás do que se vê é auto adulatória? Mantido preso por uma consciência que o odeia, The Weeknd se afunda ainda mais conforme imagina estar tentando se limpar. Se os 20 minutos iniciais nos prepara para um pesadelo, os 20 finais se abrem ao circo (dos horrores) onde os reais palhaços estão olhando para a tela. 

Um grande momento
Sair do cinema 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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