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Mensageiro do Diabo

(The Night of the Hunter, EUA, 1955)

Suspense
Direção: Charles Laughton
Elenco: Robert Mitchum, Shelley Winters, Lillian Gish, James Gleason, Evelyn Varden, Peter Graves, Don Beddoe, Billy Chapin, Sally Jane Bruce, Gloria Castillo
Roteiro: Davis Grubb (romance), James Agee
Duração: 92 min.
Nota: 9 ★★★★★★★★★☆

Harry Powell é um dos maiores vilões da história do cinema. Agindo como uma espécie de Barba Negra, responsável pela morte de mais de 20 esposas, e propagando aos quatro ventos que é um pastor por meio do qual Deus realiza suas vontades, ele é a encarnação da maldade, a melhor representação de como os lobos podem vestir pele de cordeiro.

Em uma cela de presídio, seu caminho se cruza com o de Ben Harper, um condenado à forca por latrocínio. Harper roubara e matara por uma grande quantia de dinheiro, mas antes de ser preso, escondeu o fruto do crime em um lugar desconhecido. Mesmo sem conseguir descobrir nada com o companheiro de cela, Powell decide que vai encontrar o esconderijo.

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Primeiro e único filme dirigido pelo ator Charles Laughton (Testemunha de Acusação), Mensageiro do Diabo começa de maneira tradicional, contando a história de Harper e do pacto que faz com os filhos pequenos antes de ser preso. À medida em que o falso pastor Powell vai ocupando espaço na vida dos órfãos, o filme vai se tornando sombrio e o diretor, auxiliado pela magistral atuação de Robert Mitchum (Fuga ao Passado), encontra espaço para criar sua atmosfera de suspense e horror.

Bastante influenciado pelo cinema expressionista alemão, onde se destacaram Nosferatu, de Fritz Lang, e O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, Laughton usa com muita propriedade o jogo de sombras, como na cena depois em que Willa descobre as reais intenções de Powell, mas não deixa de experimentar efeitos visuais, como nos cultos religiosos.

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Ainda ousando mas opções estéticas, o diretor cria sequências impressionantes e assustadoras na mesma medida. A fuga pelo rio, tanto por sua composição de campo e sua iluminação, quanto pela trilha sonora inusitada, é um dos planos mais interessantes do filme e do cinema.

E o que falar da descoberta do velho e bêbado tio Birdie em uma de suas noites de pesca? Para não estragar a surpresa dos que ainda não viram o filme, o cuidado com a plasticidade da cena, com a fluidez e movimento de elementos que se complementam, é algo que não se costuma ver muito por aí.

Indo além da criação audiovisual, Laughton também estabelece uma relação de muita intimidade com seus atores. Seja com Mitchell, que apesar de parecer ter liberdade completa para criar seu terrível vilão, não ultrapassa a linha; seja com Shelley Winters (Um Lugar ao Sol), a bela viúva e mãe das crianças, que vai aos poucos deixando a submissão tomar conta de sua personalidade, até se ofuscar por completo.

A mesma influência pode ser percebida no trabalho dos jovens Sally Jane Bruce e Billy Chapin (Para Todo o Sempre), com maior destaque para o segundo. Levando em consideração que o trabalho com crianças no set é sempre mais complexo, Laughton os direciona muito bem e faz com que o que se vê seja muito crível, ainda que pequenos deslizes possam ser percebidos em uma cena ou outra.

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Para completar, nada como a presença de Lillian Gish (Intolerância), uma das grandes atrizes do cinema mudo que soube superar à transição. No longa-metragem, ela vive uma das personagens mais importantes do filme, aquela que faz o que o público gostaria de fazer.

Por trás de tanta qualidade, há ainda uma interessante abordagem sobre aceitação, preconceito e comportamento humano. A indução pela turba, seja em eventos fanático-religiosos ou nas demonstrações de ódio e vingança, quando a irracionalidade assume as ações. Ainda que haja também, mesmo que contraposta pela questão do fanatismo, um direcionamento religioso muito marcado, como pode ficar muito claro no discurso final da Sra. Cooper.

Mensageiro do Diabo é um filme obrigatório para cinéfilos. Daqueles que merecem ser revistos de tempos em tempos. E, independente da quantidade de revisões, sempre tem novos detalhes a serem descobertos.

Um Grande Momento:
No rio.

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Links

IMDb [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=DavFWte4Y2U[/youtube]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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