Crítica | Streaming e VoDDestaque

O Salário do Medo

Como amortizar clássicos

( Le salaire de la peur, FRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Aventura
  • Direção: Julien Leclercq
  • Roteiro: Julien Leclercq, Hamid Hlioua
  • Elenco: Alban Lenoir, Franck Gastambide, Sofiane Zermani, Ana Girardot, Bakary Diombera, Alka Matewa, Astrid Whettnall
  • Duração: 101 minutos

O lançamento de O Salário do Medo, a obra-prima de Henri-Georges Clouzot, tem 70 anos. O remake estadunidense, outra obra-prima intitulada O Comboio do Medo e realizada por William Friedkin, ocorreu em 1977. Agora que o leitor já está situado, é bom esquecer os dois filmes antes de assistir esse novo O Salário do Medo, mais uma versão do romance de Georges Arnaud, que utiliza apenas as linhas mestras da obra original. É como se tivesse restado apenas a essência da obra, completamente antenada com os padrões que a própria Netflix aplica aos seus produtos. O que vamos assistir, então, é mais um título para exportação do canal de streaming, em tudo que esse conceito se aplica – e, para eles, está tudo bem. 

A direção e roteiro ficaram a cargo de um profissional praticamente contratado pela Netflix, Julien Leclercq. Já tendo entregue títulos como A Sentinela e A Terra e o Sangue, esse seria, a princípio, o cineasta menos recomendado a entregar algo novo para uma adaptação que já rendeu ao menos duas obras essenciais. Mas a verdade é que o streaming não queria um novo O Salário do Medo essencial, e sim um funcional. Onde cada elemento estivesse em seu lugar, as coisas se resolvessem de maneira fácil e a tensão empregada estivesse bem evidente, mas fosse mais pro genérico do que outra coisa. A síntese da diversão sem compromisso, era esse resultado procurado e é exatamente isso que é entregue. 

Existe um terceiro componente que define bem as delimitações de uma adaptação aqui, que é sua ambientação. Existe uma necessidade narrativa de demarcar uma quebra de espaço cênico de um bloco de acontecimentos para o outro em O Salário do Medo, e aqui vamos de uma apresentação urbana com alguma tecnologia empregada para um cenário desértico que poderia nos transportar ao que George Miller concebeu através da saga Mad Max. No entanto, essa é uma ideia até que pode ter passado pela cabeça de Leclercq e companhia, mas que não passou de uma inspiração, porque basicamente não há uma exploração desse espaço que ultrapasse qualquer burocracia; é o deserto pelo deserto. 

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Quanto mais nos aprofundamos no que era o conceito completo das adaptações de Arnaud, mais fica claro de que essa nova adaptação de O Salário do Medo perdeu em absoluto suas peculiaridades, para se transformar em um produto de rápido descarte. Nem mesmo as características narrativas foram mantidas, no que agora vemos um dilema resolvido com uma troca de socos rápidos. Nada é muito marcante, nem o que foi feito no passado, nem o que reverbera no futuro; precisa-se entregar um produto com gatilhos simples de serem resolvidos e seguir adiante, sem maiores complexidades. Talvez esse seja o maior problema das produções Netflix que não sejam seus carros chefe de prêmios – toda e qualquer minúcia será tratada como algo menor, porque o que importa são as emoções baratas, rápidas e rasteiras. 

O que acaba por não transformar O Salário do Medo em um filme ruim (porque descartável ele não se importa em não ser) é porque Leclercq passa longe de ser um diretor ruim. Pau mandado sem dúvida, mas ele sabe exatamente o que está fazendo, consegue criar planos médios que não pareçam decididos de qualquer maneira, e tem algum sentido de proporção em seus trabalhos. Ele tem noção de qual lugar ele está mexendo aqui, então não podemos negar que suas cenas não tenham alguma urgência, algum tempo dramático, que suas preocupações estéticas estão ali, não são descartadas. Dessa forma, o básico é realizado para que o espectador consiga absorver um mote diluído, mas se importe com o que está na tela. 

No elenco, os suspeitos usuais da Netflix: Alban Lenoir (de Bala Perdida), Franck Gastambide (de Um Dia Difícil) e Sofiane Zermani (de Paixão Sufocante), mais a ótima Ana Girardot (de A Casa dos Prazeres). Apesar dos empregos fáceis, se tratam de um elenco bem escalado e que consegue dar conta do que está sendo transmitido, ainda que nada ali seja da ordem do surpreendente ou ousado. É o lugar seguro de sempre, daqueles típicos onde a Netflix entrega seu material menos criativo, o desse O Salário do Medo.

Um grande momento

A solução final

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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