Drama
Direção: Liz Garbus
Elenco: Amy Ryan, Thomasin McKenzie, Gabriel Byrne, Lola Kirke, Oona Laurence, Dean Winters, Molly Brown, Miriam Shor, Ana Reeder, Grace Capeless, Reed Birney, Kevin Corrigan
Roteiro: Robert Kolker, Michael Werwie
Duração: 95 min.
Nota: 6
Uma direção cuidadosa e acurada pode fazer diferença a um projeto, como aqui em Lost Girls: Os Crimes de Long Island, trabalho investigativo de Liz Garbus (indicada ao Oscar por What Happened, Miss Simone?) que estreia em ficção depois de uma excepcional carreira como documentarista, sem perder a verve pelo detalhe cênico a ser constantemente buscado, que em um filme como esse faz toda a diferença. Como se investigasse também ela os crimes cometidos sobre o qual se debruça, Liz desempenha papel semelhante ao da mãe protagonista vivida por Amy Ryan, ambas – diretora e personagem – em diferentes construções, mas igualmente reféns da fissura que irá revelar o mal.
Há um claro comprometimento da autora com as minúcias estéticas do objeto filmado, através dos closes que sua lente persegue em detalhes inesperados do campo imagético. Como em um processo de investigação, a ‘lupa’ de Liz flagra cães farejadores, ou a expressão de Mari Gilbert, ou as luzes de lanternas, até certificar toda a complexidade daquelas imagens. Como uma detetive particular, a diretora escancara os detalhes técnicos e psicológicos de um caso que começa íntimo, amplifica pro externo, até voltar gradativamente para o círculo familiar de Mari e suas filhas menores.
A experiência como documentarista coloca a abordagem do roteiro nesse embate entre o público e o privado, com ênfase no mergulho profundo em suas minúcias também narrativas. Ao espelhar, no primeiro encontro das famílias afetadas pelo serial killer, a relação de Mari com Shannan às das outras quatro vítimas, o filme começa a fechar um olhar sobre aquele núcleo central, cujas pistas já são dadas desde o início. Absolutamente disfuncional, as mulheres Gilbert estão em constante crise com os demônios sociais que nasceram em cada uma delas, e provocaram o afastamento de Shannan. Essa cena evidencia que o silêncio entre elas foi decisivo para sua tragédia.
Também através dessa cena o filme abraça o tema que o faz maior, e o destaca de alguma forma dentro de uma seara que poderia ser relativamente comum. O feminicídio é a base da maior parte dos serial killers, cinematográficos ou não. O que é exposto em Lost Girls – e que conversa com a realidade – não é necessariamente a tragédia em si, mas a ação perante ela. A supressão da importância da mortandade de periféricos, o olhar das autoridades sobre o extermínio de grupos de risco, a sociedade civil em posição de distanciamento quando o mal não os aflige diretamente, são discussões morais tão importantes quanto a descoberta por culpados diretos. Na verdade, o filme escancara a culpabilidade de todos na sociedade por crimes contra ‘indesejados sociais’.
Ao tentar tratar as duas vertentes do caso com igual aproximação, o longa acaba perdendo sua conexão com os fatos investigados de maneira esperada. A relação de Mari com o mundo ao seu redor, seu contato com as outras vítimas, sua interação com as filhas, seus embates com o comissário de polícia, ocupam o primeiro plano até ser uma única coisa, sem permitir ao filme ser autônomo ao personagem. Dessa forma, todas as soluções narrativas passam exclusivamente por ela, no que resulta o filme não abrir seu próprio debate à caçada ao culpado, ou ao menos à discussão que os levem a tal.
O ponto positivo do quadro geral é Liz Garbus ter encontrado a encarnação perfeita para Mari Gilbert. Revelada na década passada graças a indicação ao Oscar por Medo da Verdade, Amy Ryan não conseguiu ampliar sua presença e chegar a um outro estágio na carreira mesmo tendo predicados para tal. Sua entrega aqui tenta consertar isso, e quase justifica a opção por ficcionalizar o projeto, não tivesse também a diretora demonstrado habilidade na criação de planos. Na pele de Mari, Amy mescla fúria e introspecção, lutando contra a imensa culpa que a corrói e um senso de justiça que só uma mãe ferida atribui a si mesma. Seu olhar e seu trabalho corporal levam Lost Girls até onde a dramaturgia falha.
Um Grande Momento:
Uma conversa franca entre mãe e filha.
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