Lucid

A dor de criar

Uma viagem sombria pela mente criativa e o processo de criação. Esse é o resumo do longa Lucid, derivado do curta-metragem lançado em 2022, que agora expande o universo de Mia Sunshine Jones, uma artista plástica alternativa. As diretoras Deanna Milligan e Ramsey Fendall mantêm a atriz Caitlin Acken Taylor no papel da jovem estudante traumatizada que tenta criar, mas se encontra paralisada diante de sua própria imaginação. Pressionada a terminar o projeto perfeito para um professor nojento, ela recorre a uma droga que promete inspiração, mas abre caminho para o passado obscuro e seus traumas, escancarando uma relação que não consegue ser superada.

Mergulhando na tensão entre bloqueio criativo e autodestruição, o filme explora o incômodo de sua protagonista. Em um cenário impregnado pelos anos 1990, deslocada, Mia atravessa a tênue linha entre a expressão do imaginário e a autoimagem quebrada. A narrativa mistura o cotidiano acadêmico com um delírio visual que fragmenta o tempo e distorce os espaços, enquanto a busca pela autenticidade se revela como uma jornada desesperada por reencontro e dissolução. Nesse processo criativo, tudo é caos.

Entre passado e presente, realidade e devaneio, figuras aleatórias fazem parte do universo de Mia, trazendo misticismo, traços ancestrais e cotidiano. Além do banal, há dimensões alegóricas a serem percebidas. Os comprimidos não são apenas um gatilho químico, mas um pacto onde a intensidade criativa vale o sacrifício da lucidez e dos limites. Indo mais longe, a arte que em toda a sua potência catártica e ressignificante existe como cura.

Estilisticamente, o filme, assim como sua protagonista, se constrói a partir de rupturas. A narrativa quebra seu ritmo, salta de sonhos a fragmentos de memória e abandona a ordem para se entregar ao excesso, algumas vezes passado do ponto. Entre luzes saturadas, texturas granuladas e sequências em diferentes formatos de película, Lucid é puro manifesto em punk-art. O desenho de som amplia o caos com distorções e ruídos que se sobrepõem, criando uma atmosfera que prende Mia e o espectador em um mesmo transe. Milligan e Fendall não têm nenhum interesse em aliviar e o que entregam é a vertigem de um processo criativo que, quanto mais intenso, mais instável se torna.

Não existe busca por epifania e nem uma romantização da inspiração. Lucid fala da dor de encontrar uma expressão original e o caminho de reconstrução, tendo como ponto-chave algo que não está tão distante daquilo que se pode conhecer, por mais diferente que sejam os caminhos tomados e histórias de vida. Sem dúvida, aos que embarcam, é uma viagem alucinada que deixa o gosto sempre estranho da criação visceral.

Um grande momento
O aplauso da turma

Sair da versão mobile