Crítica | Festival

Lucid

A dor de criar

(Lucid, CAN, 2025)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Deanna Milligan, Ramsey Fendall
  • Roteiro: Deanna Milligan, Ramsey Fendall
  • Elenco: Caitlin Acken Taylor, Georgia Acken, Jo Barnes, Zamira Beckford, Jamal Broadfoot, Bobby Cleveland, Cleveland Bobby Amber Dandelion, Solange Jones, Rianne Delahunt
  • Duração: 108 minutos

Uma viagem sombria pela mente criativa e seu processo de criação. Esse é o resumo do longa Lucid, derivado do curta-metragem lançado em 2022 pelas diretoras Deanna Milligan e Ramsey Fendall, que agora expandem o universo de Mia Sunshine Jones, uma artista plástica em busca em busca de sua identidade. A atriz Caitlin Acken Taylor revive o papel da jovem estudante traumatizada que tenta criar, mas se encontra paralisada diante de sua própria imaginação. Pressionada a terminar o projeto perfeito para um professor nojento, ela recorre a uma droga que promete inspiração, mas abre caminho para o passado obscuro e seus traumas, escancarando uma relação que não consegue ser superada.

Mergulhando na tensão entre bloqueio criativo e autodestruição, o filme explora o incômodo de sua protagonista. Em um cenário impregnado pela estética dos anos 1990, deslocada, Mia atravessa a tênue linha entre a expressão do imaginário e a autoimagem quebrada. A narrativa mistura o cotidiano acadêmico com um delírio visual que fragmenta o tempo e distorce os espaços, enquanto a busca pela autenticidade se revela como uma jornada desesperada por reencontro. Nesse processo criativo, tudo é caos.

Entre passado e presente, realidade e devaneio, figuras aleatórias surgem no universo de Mia, trazendo misticismo, traços ancestrais e cotidiano. Além do banal, há dimensões alegóricas. Os comprimidos não são apenas um impulso químico, mas um pacto onde a intensidade criativa vale o sacrifício da lucidez e dos limites. Indo mais longe, a arte em toda a sua potência catártica e ressignificante se realiza como cura.

Estilisticamente, o filme, assim como sua protagonista, se constrói a partir de rupturas. A narrativa quebra seu ritmo, salta de sonhos a fragmentos de memória, e abandona a ordem para se entregar ao excesso, algumas vezes passado do ponto. Entre luzes saturadas, texturas granuladas e sequências em diferentes formatos de película, Lucid é puro manifesto em punk-art. O desenho de som amplia o caos com distorções e ruídos que se sobrepõem, criando uma atmosfera que prende Mia e o espectador em um mesmo transe. Milligan e Fendall não têm nenhum interesse em aliviar e o que entregam é a vertigem de um processo criativo que, quanto mais intenso, mais instável se torna.

Não existe busca por epifania e nem uma romantização da inspiração. Lucid fala da dor de encontrar uma expressão original e o caminho de reconstrução, tendo como ponto-chave algo que não está tão distante daquilo que se pode conhecer, por mais diferentes que sejam os caminhos tomados e histórias de vida. Sem dúvida, aos que embarcam, é uma viagem alucinada que deixa o gosto sempre estranho, mas interessante, da criação visceral.

Um grande momento
O aplauso da turma

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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