- Gênero: Drama
- Direção: Naomi Kawase
- Roteiro: Naomi Kawase, Izumi Takahashi
- Elenco: Miyoko Asada, Tetsu Hirahara, Arata Iura, Ren Komai, Aju Makita, Hiromi Nagasaku, Hiroko Nakajima, Gô Rijû, Reo Sato, Taketo Tanaka
- Duração: 140 minutos
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Naomi Kawase entregou um dos mais belos filmes da década passada, O Segredo das Águas, e da década retrasada, Shara, mas posteriormente ao seu longa de 2014, persegue uma vertente emocional cada vez mais óbvia e espraiada, que transformou os longas seguintes de um rumo menos óbvio e a afasta da autoralidade que sempre permeou sua carreira até então, fazendo-a cada vez mais comum, ou menos especial. Nada contra narrativas clássicas embebidas em carga dramática elevada, vide a filmografia de Hirokazu KoreEda repleta de humanidade e simplicidade, sem reservas e sem constantes de sofisticações, mas sua conterrânea japonesa parece prolongar a exploração de elementos mais uma vez em Mães de Verdade.
Desde Sabor da Vida, a conexão que ela pretende entre a tradição dos laços familiares que se ampliam até os laços de afeto para se tornarem uma coisa só vem esbarrando em fórmulas mais comumente atrelados ao Ocidente, quando a sutileza não necessariamente compõe as narrativas. No lugar do silêncio, as trilhas sonoras que explicitam os sentimentos sonoramente; no lugar da placidez das imagens, uma profusão de elementos ditos impactantes que evidenciam o que deveria ficar no ambiente do subentendido – o cinema de Kawase trocou de lado, indo de uma observação implícita sobre as relações humanas para um combo de histerias delicadas que nem sempre funcionam.
Ainda que a trama de Mães de Verdade pareça inspirada nas situações vividas em folhetins brasileiros (especialmente os escritos por Manoel Carlos, aquele da classe média do Leblon), o filme a desenvolve com alguma delicadeza e uma aposta no inusitado, ao “paralelar” as histórias das duas protagonistas, até chegar a incluir um terceiro elemento catalisador de eventos. Com bom ritmo e certa inteligência estrutural, o roteiro não inova nessa proposta mas ao menos apresenta um quebra-cabeça montado aos poucos e que tenta esconder sua gravura final a título de alguma certa carga de surpresa.
Ao cinéfilo brasileiro, já acostumado com as tintas novelescas como base de dramaturgia, as pontas são facilmente identificáveis e unidas com certa rapidez, o que também não necessariamente é um problema per se. Tudo começa a se complicar quando os elementos narrativos se unem aos elementos imagéticos, e mais uma vez Kawase explora à exaustão uma plástica exacerbada das imagens para provocar emoções que poderiam ser acessadas muito facilmente de maneira mais seca. Com a explosão de cores e de plots familiares, o filme caminha para uma zona de excessos onde os elementos se potencializam e diminuem seus resultados.
Com um trabalho fotográfico onde a própria Kawase tem créditos, o filme repete maneirismos visuais especialmente a Esplendor, dois filmes onde as lens flares (o nome determinado para o ato de filmar a luz do sol, que reflete na tela estourando a luminosidade) aparecem bem mais do que o necessário, quase como uma muleta imagética que, no mínimo, soa repetitivo e despropositado. Se no longa anterior o protagonista à beira da cegueira tentava justificar esse excesso de luz captado pelas imagens, aqui o recurso vai além da repetição; qual seria a função dramático desse recurso, o de “trazer luz” a uma narrativa cheia de interditos?
Como estamos diante de uma cineasta cujo talento já fora comprovado anteriormente, Mães de Verdade não é desprovido em absoluto de qualidades. Seu roteiro baseado em livro de Mizuki Tsujimura e escrito a quatro mãos por ela e Izumi Takahashi nos carrega por essa quadrilha de eventos de maneira sedutora e azeitada, ainda que sem novidades, mas sempre entretendo. Além disso, o elenco todo se entrosa e demonstra autoridade em seus lugares, com destaque para Hiromi Nagasaku, que também é cantora, e desliza talento e sensibilidade pelas curvas de sua personagem.
Ainda que em determinado momento Mães de Verdade pareça claramente um programa de propaganda de uma agência de adoção (ou de adoções no geral, enquanto prática), resta o talento de Naomi Kawase para tentar equilibrar em meio a tanto sentimentalismo sua autoralidade, que hoje parece afastada. Os esforços para que tenhamos algum vislumbre dele prosseguem, no entanto.
Um grande momento
A conexão entre “três mães”