- Gênero: Drama, Romance
- Direção: Steven Soderbergh
- Roteiro: Reid Carolin
- Elenco: Channing Tatum, Salma Hayek, Ayub Khan-Din, Jemelia George, Juliette Motamed, Alan Cox, Vicki Pepperdine, Suzanne Bertish
- Duração: 108 minutos
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Lá pelas tantas, percebi de onde vinha a inspiração de Steven Soderbergh para criar o canto do cisne de Mike Lane, o stripper que virou uma sensação em Miami há 11 anos. É fácil encontrar fãs de Os Embalos de Sábado à Noite, uma das maiores bilheterias de 1977 e responsável por transformar John Travolta em astro. O que o diretor vencedor do Oscar por Traffic faz nessa despedida Magic Mike: A Última Dança é demonstrar afeto pelo “irmão menos famoso” da produção, sua continuação de seis anos depois, Os Embalos de Sábado Continuam, injustamente metralhado título dirigido por Sylvester Stallone – o próprio! Como na fonte de inspiração, a crítica não aceitou esse último exemplar da saga e enxovalhou o filme, que nem conseguiu estrear nos cinemas aqui, chegando agora à HBO Max.
Entende-se porque Stallone quis dirigir a continuação de 1983; Tony Manero era um personagem tão marginalizado quanto seu Rocky Balboa, e igualmente ítalo-americano em uma década crucial para o cinema humanista dos anos 70, que discorria muitas vezes sobre a ascensão das classes trabalhadoras. Pois Soderbergh claramente vê no líder de um grupo de dançarinos sensuais da Flórida tintas que Travolta imprimiu há 45 anos atrás, e para dizer adeus para seu personagem, recorreu ao convite que Manero recebeu naquele segundo filme, indo dançar em um espetáculo na Broadway. Já Mike, perdeu o negócio que abriu com amigos durante a crise que se instalou com a pandemia, e, como ele mesmo relata em determinado momento, percebeu que estava indo para Londres à convite de uma milionária divorciada para dirigir um espetáculo musical.
É interessante notar, hoje, que Tony Manero e Magic Mike são frutos de uma mesma árvore: filhos de uma classe que ouviu sobre o sonho americano, mas nunca tiram a oportunidade de usufruí-lo; a resposta a isso é moldar o tal sonho à maneira que eles poderiam vivê-lo. O Magic Mike original foi um dos acontecimentos de 2012, levando ao início da ressurreição de Matthew McCounaghey, que chegou a ser indicado a prêmios por ele. Em Magic Mike: A Última Dança, não há mais espaço para aquele homem que o vencedor da Academia por Clube de Compras Dallas desempenhou; aquela figura agora é uma mulher. Que, em uma das cenas capitais do filme, cobra por um empoderamento que parece fazer parte apenas das intenções do projeto de revitalização de uma fictícia peça tão clássica quanto absolutamente machista. Ao som de sua voz, todo o projeto é desconstruído, mas talvez nos falte ver um ‘antes’ e ‘depois’ do projeto, que só nos e apresentado já modificado.
Através da centralidade da personagem de Salma Hayek, a co-protagonista aqui que quer ela mesma avançar sobre um mundo onde os homens mandam e desmandam, da já citada atriz Hannah de Julianne Motamed que tem a coragem que falta à Max de Hayek, e da jovem Zadie vivida por Jemelia George, Magic Mike: A Última Dança é um fim possível. No mundo de hoje, esses homens que exercem poder sobre as mulheres através do dinheiro ou do sexo, estão fadados ao escárnio, como sugerem os escândalos sobre a separação de Max ou as tentativas de boicotes moral a um show como os que Mike protagoniza. Ainda que sonhar com a erradicação do machismo seja quase uma utopia, o roteiro do habitual Reid Carolin organiza as possibilidades plausíveis para que um ambiente menos tóxico possa ser concretizado.
Assim como no filme dirigido por Stallone, em Magic Mike: A Última Dança o pecado maior (e talvez o único) seja afastar tanto seu personagem central do seu habitat natural que o projeto pareça meio deslocado na própria existência, e na forma como as coisas chegam a ser conduzidas. Ao mesmo tempo, a limonada é feita com os limões que se encontram à disposição: Mike nunca teve sorte com relacionamentos, e também isso é dito por ele aqui. Pois nada mais natural que o fim de sua jornada seja, enfim, sossegando seu coração, e o mais incrível, que isso apareça quando ele nem estava pensando nessa possibilidade. O próprio filme parece esconder do espectador sua porção romântica até onde pode, o que acaba gerando (aí sim) em surpresa positiva, perceber que uma costura estava sendo feita na nossa cara, e também disperso da nossa desconfiança.
Existe, no entanto, ao menos um personagem tão incrível, prestes a explodir na tela, que parece ser mais percebido por Sorderberg que por Carolin. Ele é Victor, o mordomo de Max vivido por Ayub Khan-Din, e que está sempre à espreita, muito discreto ao que está à sua volta e refletindo, em silêncio, à falta de espaço dado justamente à classe operária, que Mike representa. Em determinado momento, Max declara que não confia em ninguém que a rodeia; a inteligência do diretor corta imediatamente para o rosto de Victor, que está ao volante ouvindo o que é dito, e que demonstra absoluta fidelidade à patroa. Victor é a voz que irá ligar os dois protagonistas sem que os mesmos saibam, e o filme fica devendo a esse personagem um desenvolvimento à altura da clara importância que o mesmo desempenha nos bastidores emocionais da trama.
Sem a vibração ou urgência dos dois títulos anteriores (e a edição de 2015 foi tão bem sucedida que chegou a estampar algumas importantes listas de melhores filmes do ano), Magic Mike: A Última Dança talvez nem faça muito sentido. Mas o afeto de Soderbergh – e provavelmente também de Channing Tatum – em uma obra tão ‘sui generis’ dos anos 80 é comovente, e homenagear um filme tão ‘kitsch’, além de tudo vaticinando de onde vêm a inspiração ao incorporar à sua filmografia as desventuras reais de Tatum, é muito singelo. Encerrar um ciclo que mostra mais uma vez que a força da mão de obra marginal americana ainda é poderosa o suficiente para continuar servindo como força motriz ao cinema, de ontem e do futuro.
Um grande momento
Edna no ônibus