Crítica | Streaming e VoD

O Pacto

Traumas de guerra

(Guy Ritchie's The Covenant, EUA, GBR, ESP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Guerra
  • Direção: Guy Ritchie
  • Roteiro: Guy Ritchie, Ivan Atkinson, Marn Davies
  • Elenco: Jake Gyllenhaal, Dar Salim, Jonny Lee Miller, Emily Beecham, Antony Starr, Abbas Fasaei, Alexander Ludwig, Sean Sagar, Jason Wong
  • Duração: 117 minutos

Até literalmente a metade de O Pacto, estreia e campeão de audiência do Prime Video, o que vemos no novo filme de Guy Ritchie é uma repetição de tantos títulos recentes (ou mais ou menos recentes) sobre o Oriente Médio e afins, como Guerra ao Terror e Soldado Anônimo – inclusive o protagonista do segundo é o mesmo Jake Gyllenhaal daqui. Um grupo de americanos corre atrás de armamentos escondidos pelos afegãos ligados ao Talibã, e as relações humanas que se estabelecem entre eles. O campo é tão parecido com algo já visto que, ao criar um novo esquema que o distancia do clichê, o espectador recebe uma surpresa, e estamos diante de um drama de sobreviventes com um viés ligeiramente diferente dos demais. Ainda assim, a impressão de estar diante de algo já visto incomoda em muitos momentos.

Ritchie é um diretor que baseou sua carreira em títulos de adrenalina ininterrupta, que mesmo em produtos de estúdio, era observado. Na verdade, quem contrata o britânico espera que seus filmes tenham exatamente essa vertente – ação non stop se possível com algum grau cômico-debochado. Em O Pacto não há qualquer traço que o ligue a seus longas anteriores, e mesmo quando passeou em terreno desconhecido (como em Destino Insólito), algo de sua personalidade foi preservado. É uma guinada para que o vejam como um autor sério, alguém capaz de produzir um drama pungente de tintas fortes, ainda que vestido de thriller de guerra. O que importa para suas lentes, dessa vez, é investigar a profundidade pelo que passa o personagem de Gyllenhaal diante de um dilema. 

Por mais que exista uma dose de ação, principalmente nesse momento inicial – mas que o clímax também conta com o dispositivo – O Pacto é uma investigação sobre esse personagem, que vai de um pólo a outro. Um militar que cumpre sua função da melhor maneira possível, e isso inclui coisas não naturais, como matar e torturar, mas que tem uma retaguarda na família que o espera em solo estadunidense. A partir do momento em que uma tragédia em camadas atinge seu pelotão e chega até ele, a ruptura de um trauma destroi mesmo o que ele imaginava como seguro, que é sua vida em família. A partir daí, o filme ganha seu tom de tragédia que é perseguido desde o início, e parte para investigar até que ponto essa honra ilibada do soldado americano prejudica a centralidade de sua vida. 

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Mas mesmo um lado ou outro de O Pacto, a forma como a ação é conduzida, ou o drama de um personagem corrompido por um senso de dever, é tratado de modo protocolar, sem uma ideia de representação diferenciada. Vindo de um diretor tão criativo como Ritchie, que mesmo quando era um mero profissional contratado conseguiu elaborar visualmente os projetos onde se empregou, aqui há um sentimento de decepção. Se o filme era mesmo uma porta de entrada para que ele se mostrasse capaz de desafios ainda mais complexos, o resultado não consegue ir além do que esperamos visualmente de um título que aborde esses temas. Quando um diretor com mais de 80 anos à época como Clint Eastwood ainda consegue fazer a diferença em Sniper Americano, não há justificativa para algo assim. 

Ainda que seja capaz de entreter e envolver graças aos talentos envolvidos, todos parecem ocupar sua versão mais estanque em cena. Gylenhaal não realiza nada do que sabemos que ele é capaz, talvez desmotivado pela própria realização. Dar Salim, no astro em ascensão de títulos como Um Marido Fiel, é a presença mais forte entre seus pares, porque seu carisma e seu corpo impõem um lugar de destaque. Tirando ele, o resto é uma sucessão de lugares já caminhados antes por outros filmes, que não causam uma impressão mais forte no espectador. Faz sentido que esteja sendo lançado diretamente em streaming no Brasil, quando nos EUA fez carreira comercial de cinema. O filme cabe muito mais na telinha do que teria aspecto para levar alguém aos cinemas por aqui. 

Um grande momento

O discurso de Kinley na cama

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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