Música

Não é incomum que filmes de toda parte do mundo toquem, eventualmente, canções brasileiras em suas trilhas. Da bossa nova a Caetano Veloso, muitas canções nossas já deram o tom de cenas importantes do cinema internacional. Mas uma comédia romântica ambiciosa onde Martinho da Vila entoe seu clássico ‘Canta, Canta, Minha Gente’ em mais de um momento, isso sim é a imagem do inesperado. Música acaba de entrar no Prime Video e o filme tem mais a ver conosco do que, à primeira vista, alguém poderia supor. Trata-se de um título bilíngue, como todos estão chamando, e a doçura do que é mostrado aqui pode atingir as pessoas dos quatro cantos do planeta, mas creio que nós, brasileiros, temos uma ligação especial. 

Escrito, dirigido e protagonizado por Rudy Mancuso, Música aborda uma fatia da imigração latina que nunca tinha sido enfocada no cinema estadunidense, creio. Entre o inglês e o português, o filme mostra como seu protagonista e quem o cerca estão rodeados de Brasil dos pés a cabeça. Mancuso é verdadeiramente o filho de uma imigrante brasileira (Maria inclusive é sua mãe também na ficção), e o filme fala muito de suas realidade, sendo uma obra que traduz muito da vivência dele. Desde sua condição multi pátria até a seriedade com que sua sinestesia é mostrada, o filme acompanha esse jovem em um jornada para tentar se entender, a si e ao mundo particular que ele não consegue calar e que interrompe seu caos criativo. 

A sinestesia é a capacidade de uma pessoa conseguir dar formas aos cinco sentidos, seja vendo os sons, sentir cores ou provar formas. Mancuso é músico na vida real, e levou essa sua relação com a arte para dentro de sua estreia como diretor de longas; ele inclusive já dirigiu um curta sobre a sinestesia. De maneira criativa, Música tenta convencer o espectador a embarcar junto a ele nessa empreitada audiovisual esbanjando suavidade e uma imensa vontade de apresentar algo ao mesmo tempo confortável e bem fora dos padrões. Como ator, ele esteve antes em The Flash e aqui demonstra ter potencial para explorar suas novas aptidões, entregando uma produção ligeira, cheia de clichês, mas que é consciente dessas escolhas. 

Não se trata exatamente de um filme musical; essa talvez fosse a coisa mais óbvia a fazer, mas Música é muito mais um filme sobre a forma, e não sobre o resultado da união de sons e da conexão existente entre harmonia, melodia e letra. O que vemos é um filme repleto de textura musical, onde seu protagonista tenta encaixar-se em um quadro que ele ainda não consegue dominar. Talvez o que filme esmurre é a maneira como Mancuso está imerso em tantas possibilidades, que para ele seja penoso tomar uma única decisão, que privilegie um lado em detrimento de todos os outros. Na arte, ele não precisa escolher, pode ser tudo o que quiser, mas seu comprometimento com todas as outras coisas precisa ficar nítido, sem que essa multiplicidade possível em si o bloqueie. 

Apesar da proposta esbarrar na extravagância aqui e ali, por lidar com mecanismos visuais pouco incomuns, o roteiro de Música entende que não podia seguir junto com a direção, e abre mão de qualquer elaboração menos clichê. Nesse sentido, toda a abordagem narrativa que o filme cria para seus personagens, as situações e o próprio relevo de cada um, está sempre na zona da repetição de ideias. Isso cria mais uma cacofonia na produção, mas aqui nada disso foi planejado; fica então uma situação capenga para um lado, tentando ser arrojado para o outro. No centro da história, Mancuso e Camila Mendes (de Upgrade) mostram a química que os levou ao romance real, e o desfecho entre eles é uma das situações bem escritas do roteiro, que poderia ter inspirado seu autor a ir mais longe. 

Um grande momento

O plano sequência dos cenários