Crítica | CinemaDestaque

Natal Sangrento

A diversão em outras paragens

(Silent Night, Deadly Night , EUA, 2025)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Mike P. Nelson
  • Roteiro: Mike P. Nelson
  • Elenco: Rohan Campbell, Ruby Modine, Mark Acheson, David Lawrence Brown, David Tomlinson, Logan Sawyer
  • Duração: 93 minutos

No início, o visual setentista entrega de onde vem os resquícios da obra original. Logo após assentar a ideia diante desse campo, a infâmia é rapidamente percebida em seus micro detalhes: o elenco, a fotografia, a trilha sonora, a disposição para o exagero. É um incômodo aflitivo que acompanha o espectador ao longo da sessão de Natal Sangrento, mas logo esse embaraço e essa ressaca se transformam em algo que não se pode negar. Com um propósito que não se assemelha a poucas formas de horror hoje, o que o diretor Mike P. Nelson compôs é uma melodia atravessada que se recusa a promover assertividade. No lugar do comum, vemos uma produção cheia de arestas expostas que se recusam a serem descartadas. 

Mas se existe alguma cafajestada em Natal Sangrento, tenho que é algo proposital, mediante o gênero e o fato de tratar-se de um remake de uma obra de 40 anos atrás. Dirigido por Charlie E. Sellier Jr., a obra original não brincava com algum sobrenatural como aqui, ou melhor, essa temática não estava inserida; brincadeira não é exatamente o que acontece em cena. Somos levados a um grupo de eventos que acompanham dois Natais do protagonista Billy – aos 10 anos e 15 anos depois. No passado, ele viu o avô ser assassinado pelos pais, que foram assassinados em sequência por um homem vestido de Papai Noel; hoje, ele é o responsável pelas mortes que acontecem em dezembro por onde ele passa, para “comemoração” natalina. A despeito do que aparenta ser (inclusive pela gratuidade da premissa), o filme se desenvolve em meio ao caos controlado, ao menos em partes. 

Tudo funciona em conjunto, e esse mesmo conjunto é definitivamente infame. Natal Sangrento tem uma textura que nos convida a duvidar de tudo o que iremos conferir a seguir, porque estamos diante de uma proposta quase artesanal. Quando digo isso, me refiro a um aspecto que parece misturar uma ideia de VHS arcaico com um ar documental oriunda dos anos 80, que carrega um charme para o que assistimos. Não tem a ver com uma produção deficiente no que apresenta, e sim exatamente o contrário disso; existe um propósito no que está em cena. Cada elemento que se estabelece, representa uma tentativa de manter um aspecto que não se restrinja a mais uma produção de shopping asseada que estreia nas salas, e se torna mais uma. 

Nada em Natal Sangrento atenta para algo mais tradicional, a começar pelo fato de que o mocinho do filme é um serial killer sanguinário. Conforme o trabalho inusitado de Nelson se comunica com o público, entramos em contato com um doentio mergulho na esquizofrenia com suas tintas sobrenaturais. E o filme vai ampliando sua discussão quando revela os reais motivos por trás da sua transformação, que é ressignificado pelo roteiro. A partir daí, o filme decide que não há mais limites; em determinado momento, Billy se vê impelido a seguir uma senhora. Essa mulher estampa o que é mais abjeto na extrema direita, e essa escolha narrativa é um dos achados de um filme que se complexifica sempre que avança. 

Todos os caminhos que o roteiro e a direção apontam são na direção de promover a anarquia para os parâmetros do gênero. Essa textura que remete a algo sujo, os atores escalados que representam muito bem seu papel dentro do trash, a forma como esses elementos se unem na direção de algo disruptivo, fazem do resultado de Natal Sangrento uma experiência raras vezes vista, principalmente na categoria ‘tela de cinema’. As decisões narrativas que são tomadas acompanham o trabalho do autor como um todo, criando essa atmosfera que é, a um só tempo, antiquada e revisionista de um período. Nas inspirações, cabem de tudo, do Quentin Tarantino de Bastardos Inglórios até Armadilha para Turistas, de 1979. 

A forma como o círculo se fecha para o protagonista, embora não seja exatamente original, ainda mostra mais uma pitada de ousadia da produção, não pelo fato em si, mas pela maneira como essa possibilidade aponta o futuro. É como uma jornada que não se imagina, para o espectador, que tais elementos encaminhem-se para essa camada nova, e que provavelmente sonha com uma continuação. Não sei se estamos de frente para algo como Terrifier (o filme é produzido pelos responsáveis da cinessérie; além de anunciado, o resultado diz tudo), mas é uma diversão fresca para um gênero que, apesar de contar com filmes excelentes todos os anos, também assiste mesmices inomináveis. Esse definitivamente não é o caso de Natal Sangrento

Um grande momento
A festa nazista 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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