Crítica | Festival

Desvio

(Desvio, BRA, 2019)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Arthur Lins
  • Roteiro: Arthur Lins
  • Elenco: Daniel Porpino, Annie Goretti, Melania Silveira
  • Duração: 90 minutos

O que está por trás de Desvio é algo interessante: o movimento de uma geração insatisfeita pela mudança de hábitos, costumes e expectativas impostos por um padrão. A ruptura é algo que aqueles que chegam buscam alcançar. No longa-metragem dirigido por Arthur Lins, esse movimento pela libertação e construção de um novo padrão social está em dois personagens: um que o reconhece como passado, Pedro, e outra que o vive como presente, Pâmela.

Não há no filme, diferente daquilo que se espera dos selecionados para a Mostra Aurora, muitas inovações do que se vê na tela. A estrutura, roteiro e atuações seguem um caminho tradicional e a história que se conta também não é inovadora. Mais do que contrariar o recorte esperado, o que se vê contradiz também o próprio retratar de um movimento de reformulação e expectativa de mudança.

Ao estabelecer um jogo que, fora o modo como se relaciona com as músicas, mais afasta do que instiga, o filme vai se construindo em eventos e passagens testemunhadas à distância, sem aquele mergulho natural tão necessário ao cinema. Mesmo que a atuação de Daniel Porpino seja magnética e sua presença se imponha nas cenas das quais participa, a falta de conexão atrapalha o filme.

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É o que deixa ainda mais aparente a irregularidade das atuações e facilidades do roteiro, como o encontrar-se com o amigo de longa data, a discussão no almoço de família e até o desenrolar da participação na sequência do assalto. São momentos chave, mas que são tão inorgânicos e estão tão descolados do todo que perdem sua força.

Desvio

Porém, ainda é outro o maior incômodo que fica de Desvio. Há uma espécie de determinismo na constituição da trama que domina mais da metade do filme, seja na estereotipização da rebeldia ou na própria jornada de seus personagens, ainda que o filme tenha méritos por não estabelecer juízos de valor sobre o indivíduo em si.

Pedro, que buscou a mudança no passado e, ao que parece, o fizera de maneira equivocada (e aí está o “desvio” do título), está fadado às piores escolhas, ao caminho do fracasso, como se o anseio pela ruptura, e não o ocorrido, o tivesse matado em vida. Ao mesmo tempo, é esta mesma pessoa que encoraja sua prima Pâmela a procurar um novo movimento de descontinuidade. A relação se estabelece, portanto, em dois lugares perigosos: a esperança – e cobrança – de que a frustração pela não realização seja sanada por outra pessoa ou o descaso em forma de repetição, algo que acende a noção pessimista de que não há como romper com o que está dado.

Ainda assim, há coisas que interessam em Desvio, como a força da atuação de Porpino, a maneira imparcial com que apresenta Pedro e Pâmela, algumas sequências inspiradas e punk rock — sempre bom.

Um Grande Momento:
Observando de longe na festa.

[22ª Mostra de Cinema de Tiradentes]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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