- Gênero: Animação
- Direção: Nick Bruno, Troy Quane
- Roteiro: Robert L. Baird, Lloyd Taylor, Pamela Ribon, Marc Haimes, Keith Bunin, Troy Quane
- Duração: 88 minutos
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Estamos verdadeiramente mudando, mesmo; ainda bem. Em um dia feliz como hoje, onde recebemos uma notícia tão bem-vinda, a Netflix colocar no ar uma animação abertamente LGTBQIAPN+, é algo maior do jamais seria capaz de imaginar. Não é ainda no ritmo que merecemos, muitas pessoas ainda são assassinadas por amar livremente, nosso país ainda é o campeão de mortes de pessoas trans e isso é uma tristeza diária, mas saber que tem pessoas interessadas em mostrar às crianças sobre a aceitação das diferenças, é um resultado de um trabalho de ano de conscientização. Nimona, acima de tudo, é repleto de sensibilidade e não tenta impôr nada ao espectador, até porque tudo no filme é naturalizado e visto com normalidade. Menos Nimona.
E quem é Nimona? O roteiro, escrito a incontáveis mãos (acho que são 12!), faz a escolha acertada ao nunca definir a personagem, e sim deixar que quem a rodeia o faça; não é assim que vivemos no mundo real, tentando nos adequar às classificações que nos impõem? O que é sabido é que Nimona tem a aparência de uma criança, um cabelo cor de rosa esfuziante, dois caninos avantajados e o poder de… ser quem ela quiser ser, podemos resumir assim. Para quem não leu a HQ na qual é baseado, é bom que entre em Nimona com o mínimo de informação possível. É assim que Nimona, que só queria ser uma ajudante, acaba sendo o veículo para que possamos trabalhar nossa empatia e compreensão, como reflexo para o casal central.
O que temos na espinha dorsal é um casal de cavaleiros, Ballister e Ambrosius, separados quando o primeiro é acusado de matar a rainha de seu reino tecno-medieval. Ele seria o primeiro plebeu a ganhar uma chance como cavaleiro da rainha, e sofre essa emboscada, passando a ser visto como vilão. Nimona então passa a questionar as nomenclaturas sociais que nos são atribuídas – heróis ou vilões, Bem ou Mal, mas indo além, a ideia de falar sobre homossexualidade e sobre como devemos respeitar o que as pessoas são ao nascer, é o principal tomo. Não há nada sendo descoberto no filme, quando ele começa, todos os sentimentos já estão em cima da mesa, e o romance entre os dois rapazes já é uma realidade; em tese, isso é visto como absoluta normalidade, mas não Nimona.
Uma criança hiperativa, absolutamente rosada, que se “trans”-forma; ora bolas, todas as respostas são dadas aí. Existe uma perseguição em torno da comunidade gay, sem dúvida, mas homens e mulheres trans são ainda menos compreendidos, ainda mais sacrificados, em torno de um modelo de Estado retrógrado e arcaico. O verdadeiro vilão do filme não questiona nada – apenas tem certeza que quer manter o que entende-se como normalidade, ou padronagem social. Por isso planejou matar alguém que foi além na busca de uma aceitação de quem não veio da mesma esfera, e abraçou uma causa que não era sua pensando no bem maior, em uma integração completa. Nimona, como pode se ver, é uma produção que não tem medo de trazer tantas complexidades a uma fábula moderníssima.
Antes do que se possa tentar antecipar, Nimona não é uma animação adulta. Tampouco é uma história que possa ser encarada como metáfora podendo se desdobrar para esse lado, como Luca. Essa é uma de suas armas, o filme tem sim uma linguagem universal, podendo alcançar crianças de todas as idades com a tranquilidade com que fala ou mostra suas ações, mas sem deixar de mostrar para os adultos que existe um manancial de diálogos sendo trocados ali. Com uma personagem que pode se metamorfosear em algo, e que tem o rosa como cor chave (uma das três cores da bandeira trans), o filme milita da melhor forma: sua base é o entretenimento e a via de conflito sendo substituída pelo afeto irrestrito, aquele que não pergunta ao outro o que ele é. O outro é o que ele quer ser.
Apenas o segundo filme de Nick Bruno e Troy Quane (de Um Espião Animal), não parecemos estar diante de pessoas inexperientes, e sim tratando com uma dupla que já desenvolveu muito suas técnicas, e conseguiu muito poder na indústria para conseguir adaptar algo com esse grau de bravura. Nimona não é o filme com a animação mais rebuscada ou caprichada, mas ele acaba por nos ganhar com o que está dizendo, ao dar voz a tantas vozes. Sendo tão explícito quanto ao que está abordando sem ferir nenhuma suscetibilidade, talvez esteja aqui um exemplo claro do que nós queremos, e é simples: não nos vejam como monstros.
Um grande momento
Ballister e Nimona dançam