Crítica | CinemaDestaque

O Bom Professor

Certezas que não apagam o horror da dúvida

(Pas de Vague , FRA, BEL, 2024)
Nota  
  • Gênero: Suspense, Drama
  • Direção: Teddy Lussi-Modeste
  • Roteiro: Teddy Lussi-Modeste
  • Elenco: François Civil, Shaïn Boumedine, Toscane Duquesne, Mallory Wanecque, Agnès Hurstel, Armindo Alves, Bakary Kebe, Francis Leplay
  • Duração: 90 minutos

Ainda que seja bastante óbvio encontrar ecos de A Caça A Sala dos Professores aqui, não é mentiroso perceber tais elementos em O Bom Professor, que não merece ser ignorado no circuito. Do primeiro, temos a situação-chave da acusação contra um professor a respeito de assédio, perpetrado por uma aluna – aqui, bem mais jovem que a criança do filme dinamarquês; do segundo, temos o ambiente quase unicamente escolar, e o estado de crescente de tensão a ser desenvolvido por uma acusação injusta de assédio. Diferente do título de Thomas Vinterberg, não há espaços para a dúvida aqui, visto que a ação é toda assistida pelo espectador. O que ocorre então é essa cascata de injustiças perpetradas contra um homem por inveja, e por posições morais que se movem para o positivo (ser visto como um exemplo) mas resvalam em sua guerra de egos e privilégios.

O diretor Teddy Lussi-Modeste está em seu terceiro longa e pela segunda vez a autoria do roteiro é dividida com uma grande cineasta em ascensão – o anterior com Rebecca Zlotowski, de Os Filhos dos Outros, e agora com Audrey Diwan, de O Acontecimento. A O Bom Professor, é conferido uma autenticidade de vozes nas questões de gênero, que ainda ressoam suas qualidades narrativas. Mas não é apenas em suas possibilidades de roteiro que o filme se sobressai, mas justamente pela supracitada criação desse campo de tensão, que leva seus personagens a adentrar um campo muito problemático a respeito das liberdades individuais. 

Enquanto produto de cinema, O Bom Professor está nessa seara com o lugar do cinema europeu compreender melhor as micro tensões das vidas cotidianas, para onde o cinema estadunidense só encontra no gigantismo. As questões cercadas pelo roteiro são suficientes para instaurar um suspense sufocante no espectador, que nenhum resgate maluco de super heróis seria capaz de abarcar com o mesmo teor de urgência. Com esse olhar para a simplicidade das coisas mundanas em conflito, Lussi-Modeste empreende um tradicional estado de desespero que remete ao incômodo que o cinema percebeu fazer sentido com a chegada dos anos 70 e as implicações para narrativas que acompanhassem realidades menos fantásticas.

As questões são universais, e por isso uma produção francesa contemporânea consegue se comunicar com brasileiros, japoneses, australianos e chilenos de maneira completa. A invasão de privacidade, que hoje é perseguida por tantos, ainda é um direito de outros tantos, e a quebra de certos limites particulares para  manutenção de uma paz que não deveria depender disso é um ponto de interesse. Mas O Bom Professor fala sobre a contemporaneidade (que também se ocupa de assédios morais, emocionais e sexuais nos ambientes públicos, e de trabalho) de maneira traduzida para o cinema, criando fontes de comunicação com o cinema de gênero de forma explícita, e até mesmo esperada diante do que é apresentado. 

Para que o todo funcione, a presença de François Civil em cena é fundamental. Seu corpo é o que sofre as transformações e acusações ao longo da narrativa, logo é por conta dele (e da certeza que nós temos) que O Bom Professor se estabelece. Ainda que exista a empatia com outros personagens – principalmente a Leslie de Toscane Duquesne – para que o arco seja completo, o filme está baseado nesse personagem central que é ameaçado de inúmeras formas, inclusive em sua vida pessoal. Agnès Hurstel também está ótima em cena, sua Laura é um pêndulo para muitas colocações, quase como o público testemunhando os eventos. Mas esses dois personagens existem para reforçar a narrativa principal, que é amplificada por essa discussão a respeito da privacidade devassada. 

Com os caminhos que o filme percorre, não sobram dúvidas a respeito da autoria das questões, ou das motivações de cada um dos envolvidos, mas é mantido em suspenso os desdobramentos morais de cada detalhe. O Bom Professor, como as melhores obras, se identifica como um recorte momentâneo a respeito do que se vê. Nada em cena é definitivo, as situações estão em constante mutação para seu desfecho, e tal enquadramento não acontece. O espectador cada vez mais exige certezas em um mundo onde vivemos assolados pelas dúvidas – talvez por isso esse movimento seja tão contínuo. O Cinema, por sua vez, segue fornecendo as perguntas, propondo os debates e iluminando as questões; as respostas devem continuar muito mais do lado de cá. 

Um grande momento
Julien tenta se justificar com Laura 

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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