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O Discípulo

Assistir às próprias expectativas

(The Disciple, IND, 2020)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Chaitanya Tamhane
  • Roteiro: Chaitanya Tamhane
  • Elenco: Aditya Modak, Arun Dravid, Sumitra Bhave, Deepika Bhide Bhagwat, Kiran Yadnyopavit, Abhishek Kale, Neela Khedkar
  • Duração: 127 minutos

“A Técnica pode ser ensinada, a Verdade não”. Em determinado momento de O Discípulo, as fitas que o protagonista ouve com a gravação da entrevista de uma maestrina importante na Índia declaram essa máxima, que se encaixa na vida do mesmo à perfeição. Ao menos é o que Sharad passa a vida ouvindo – em audições, de seu pai, de seu guru e técnico vocal. Há uma distância clara que separa o protagonista do lugar onde ele pensa estar e o que efetivamente está, não importa o quanto estude ou se dedique. O talento natural passa por uma série de fatores, incluindo algo inerente a si que não pode ser comprado — nasce com você, é uma propensão, um dom, não pode ser adquirido.

O Discípulo, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza para seu diretor, roteirista e montador Chaitanya Tamhane, parte de um lugar reconhecível independente da arte ou da atividade a qual nos dedicamos. Apesar de dedicar à música clássica e tradicional indiana, sua moral poderia ser aplicada a qualquer área, e com isso a narrativa, que a princípio nos soa exótica em demasia, muito rapidamente nos carrega até esse lugar onde não conseguimos acompanhar a diferença entre a nossa expectativa, e o que o mundo de fato reserva para nós — a tal realidade, que se olharmos com objetividade, não é necessariamente triste, basta analisarmos com maturidade.

O Discípulo

Sem didatismos ou proselitismos, o filme é muito econômico em suas conclusões e em seus julgamentos, deixando as imagens e o espectador fazerem o juízo de valor a respeito da persistência e dedicação de Sharad. Não faltam diálogos ao filme, mas a exposição de suas ideias é intransferível de seus personagens e de como eles o dividem com o protagonista, provocando uma reação no próprio e uma terceira em quem o assiste. Por conta disso, o filme se costura em situações hipotéticas em cima mais de opiniões que de fatos, até com muita coragem em tomar certas posições. Qual a diferença entre as pessoas que realmente se retiraram de cenas por princípios próprios (e elas existem) e as que fizeram cena com a própria falta de aptidão?

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A edição não-linear é um traço de autoralidade do filme para que o espectador tome conhecimento de elementos-chave no momento certo de determinados plots do roteiro, mas não se justificam muito sua utilidade a não ser essa provocação deliberada de sentidos. Como se trata de uma mini-saga onde acompanhamos Sharad dos 10 aos 45 anos, essa opção não ajuda o público a entrar rapidamente na narrativa; a mesma aos poucos se desdobra das habilidades específicas focadas para esse jogo mental que um homem trava com os seus próprios sonhos, os de seu pai, os de seu mestre. Quando o filme flagra o protagonista em tanto silêncio, Aditya Modak contribui para preencher o espaço cênico com seu misto de revolta, decepção e uma fugidia esperança.

O Discípulo

Não se trata de uma produção enxuta, no entanto. O filme precisa dar muita certeza ao espectador, então repete alguns momentos que ficam claros rapidamente, o que é justificado pela verbalização escassa, mas colocar Sharad uma, duas, três… seis vezes passeando em câmera lenta de moto enquanto ouve a musicista, acaba tornando a experiência redundante. O mesmo vale para o personagem assistir a ascensão de uma nova estrela indiana, que (na cabeça dele, e talvez só nela) abandona suas raízes para abraçar o mundo, movimento natural que ele não quer dar, em reconstituição do que também fez seu entorno no passado.

A cena final de O Discípulo, sozinha, carrega tantos significados, entre eles uma espécie de moral como também um desfecho propriamente dito, aliado com uma observação em relação ao avanço do tempo na construção das narrativas pessoais, o surgimento do “novo” — que sempre vem, como diria Elis Regina — e a ressignificação das subjetividades são elementos que cabem nessa única cena, mas que estão espalhados por toda sua duração, pelos olhos de Sharad que vê suas convicções na totalidade serem desfeitas, e pela percepção factual e fílmica de que, para existir um Frank Sinatra, tem que existir também o rapaz que canta na Avenida Paulista… e que, hoje, pode sim se tornar o próximo Frank Sinatra. Ou não.

Um grande momento
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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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