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Crime e Desejo

Potencial perdido

(Above Suspicion, EUA, MGL, 2019)
Nota  
  • Gênero: Ação
  • Direção: Phillip Noyce
  • Roteiro: Chris Gerolmo]
  • Elenco: Emilia Clarke, Jack Huston, Sophie Lowe, Johnny Knoxville, Austin Hébert, Thora Birch, Karl Glusman , Kevin Dunn, Brian Lee Franklin
  • Duração: 104 minutos

Outrora um cineasta de prestígio, com títulos campeões de bilheteria e/ou indicados a prêmios, o australiano Phillip Noyce chega aos 70 anos realizando episódios de séries nada aclamadas, produções para a TV americana irrelevantes ou títulos como esse Crime e Desejo, uma narrativa que podia render um longa minimamente interessante com um roteiro baseado em eventos verídicos, mas que por culpa maior de sua inoperância, se transforma em produto requentado e sem garra, como se houvesse uma necessidade de entregar um material ao qual foi contratado, cujo talento não precisava comparecer; onde foi parar o cineasta de Jogos Patrióticos e O Americano Tranquilo?

Baseado em livro de Joe Sharkey com roteiro assinado por Chris Gerolmo (de Mississippi em Chamas), o filme não é necessariamente inovador em sua descrição dessa história criminal no coração da típica marginalidade americana. O filme usa um recurso até charmoso de narração post mortem, porém essa tentativa de construir um noir moderno, com recursos contemporâneos para uma história ocorrida há 30 anos atrás soa despropositado em muitos momentos, dada a timidez com que o filme irrompe em seus caminhos criminosos, sem envolver o espectador em um projeto que precisava de algum mergulho ainda que mínimo no relato desses eventos.

Crime e Desejo

Noyce, um diretor que sempre conservou um elegância imagética mesmo quando investiu em produtos de apelo popular inegável, tem realizado pouco e desde seu filme anterior, O Doador de Memórias, parece ter deixado em suspenso esse bom gosto tradicional para o exato oposto, e aqui compreende seus planos de maneira antinaturalista, com escolhas duvidosas de enquadramento, que resulta em mise-en-scène equivocada. Um apreço por um rodopio visual, que deixa os planos em movimentos laterais na diagonal, sem qualquer motivo que justifique essa opção, tudo isso em momentos cruciais da narrativa, que não agregam nenhum predicado à produção, pelo contrário.

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Como a espinha dorsal de Crime e Desejo se desenha ao redor da formação de um casal absolutamente à margem da sociedade, ele é um agente do FBI, ela sua informante, esposa de um traficante e viciada em drogas. Mas desde a apresentação visual desse casal, interpretado por Emilia Clarke e Jack Huston, não há química criada para que compremos essa relação, não há proposta de configurar o desejo entre eles de maneira crível, parece tudo seguir um protocolo de entendimento narrativo quase obrigatório, e com isso o filme cumpre suas funções de maneira protocolar, apenas para dar voz a sua narrativa sem qualquer aparência orgânica.

Com um elenco repleto de rostos conhecidos (de Johnny Knoxville tirando qualquer credibilidade do seu papel, até uma Thora Birch que merecia mais da indústria que isso, passando por Chris Mulkey e Kevin Dunn sem qualquer função aparente), Crime e Desejo é uma decepção quando observamos suas potencialidades desperdiçadas, a começar por sua história tão fascinante quanto desperdiçada em abordagem equivocada, esse elenco interessante sem uma direção que os dê unidade, que acabam por transformar uma produção de potencial claro em um material que tenta criar personalidade sem agrupar todos os elementos necessários; a ambição necessária a um projeto como esse não parece ter dado as caras.

No final, Emilia Clarke, a eterna Daenerys de Game of Thrones, parece lutar sozinha contra a apatia absoluta em contar essa história em todos os lados que a cercam. A atriz não é uma atriz de vastos recursos já experimentados à exaustão e nem está notável em cena, mas parece a única disposta a entregar o melhor desempenho possível em cena, se livrando de marcas de direção desacertadas para realizar o seu trabalho com qualidade, ainda que solitária. É o suficiente para percebermos o quanto Crime e Desejo não se esforçou para fazer jus ao seu potencial, onde Emilia parece bradar sozinha ao vento.

Um grande momento
O reencontro na escadaria do hotel

Ver “Crime e Desejo” na Netflix

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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