- Gênero: Terror
- Direção: Demián Rugna
- Roteiro: Demián Rugna
- Elenco: Ezequiel Rodriguez, Demián Salomón, Silvina Sabater, Luis Ziembrowski, Marcelo Michineaux, Emilio Vodanovich
- Duração: 96 minutos
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Esse é um fenômeno que o gênero terror conhece bem, e que tem sido frequente nos últimos anos. Um título ganha repercussão forte, por causa de seu trailer, de seu conteúdo, de seu realizador, e esse burburinho corre internet afora, indiscriminada, fazendo o filme repercutir antes mesmo de estrear – às vezes, independente mesmo da chegada no circuito. Somente nos idos recentes, tivemos os casos de Terrifier, Skinamarink, Speak no Evil, entre tantos outros, e o mais novo integrante desse grupo é O Mal que nos Habita. A produção argentina estreia essa semana nos cinemas e desde o ano passado não sai dos corações e mentes cinéfilos por conta de exageros de observação, como a de tratar o cinema dos nossos hermanos como infinitamente superior ao nosso.
Dirigido por Demian Rugna, que fez sucesso recente quando seu Aterrorizados passou pela Netflix, o filme tem sim uma estripulia que o adorna como diferencial no nosso tempo. Com um olhar que aos poucos vai nos remetendo ao clássico Os Meninos de Narciso Ibáñez Salvador de 1976, O Mal que nos Habita talvez assole o espectador com seu caráter imprevisível e seu despudor. Ainda que incorra sobre a fonte de clichês tradicionais aqui e ali, o que nos arrebata de fato é a porção corajosa que seu diretor apresenta, envolvendo signos de inocência ilibada em uma história de violência crescente. Que ele consiga adornar durante sua proposição com esses elementos clássicos do chavão de gênero e nos manter conectados ao que ele divaga, essa é uma qualidade e tanto.
Há exagero nas declarações de admiração excessiva pelo filme, mas mesmo isso é de fácil compreensão. O Mal que nos Habita não tenta desvendar novos caminhos para o nosso combalido terror, mas realocar nos dias de hoje uma ideia de flerte com o ‘gore’ que anda em falta. Outra característica é a que coloca a produção nessa proposta desbravadora, em pleno 2024, de mostrar que ser explícito e provocador não significa mau gosto, pelo contrário. Existe sim uma noção de sofisticação a qual o cinema de gênero não o permite estar, quando historicamente esse também seria um recorte de cinema que permitiria uma espécie de primor estético, mesmo dentro do ‘trash’, muitas vezes.
Não dá pra negar que a combinação que Rugna promove, de sanguinolência com elegância, é um risco que corria, de não conseguir alcançar nem um lugar nem o outro. O resultado é tão certeiro no trato desses extremos, que também acaba por conseguir flertar com a melancolia, por vários momentos. O Mal que nos Habita é um exemplar do mais novo cinema de gênero tristonho, daqueles onde a esperança é uma nesga que se perde com facilidade. Assolando seus personagens com uma desesperança que já vinha apontada na atmosfera pré-horror, o quadro geral ali é daquele onde não sabemos qual será o resultado final, mas definitivamente tudo pode mesmo acontecer. É desse tipo de produção que o gênero sente falta, um que se materialize de forma inesperada, cuja fatalidade seja de fato sentida em cada ambiente.
Desse clima desolador e imprevisibilidade é que O Mal que nos Habita conseguiu sua fama, e fico impressionado que um título saído da Argentina sem ser estrelado por Ricardo Darín consiga holofotes por onde passou. Que esse filme se arrisque e procure com frequência mapear o que o cinema de língua inglesa sequer tem tentado, a descoberta dele é mais que propícia. O resultado do que vemos ganhou um atestado de qualidade antes mesmo de sua prévia, e talvez dessa expectativa o filme não consiga fugir. Ainda assim, é outro título a estrear essa semana (além dele, Argylle, O Superespião) a tratar a instituição família como um processo delicado de lidar e superar, ainda que sejamos superados sem tanta dor.
O conselho agora é ficar de olho em Rugna. Se ele está em processo de firmar seu nome dentro de um panteão de autores modernos de gênero que tentam entregar algo além do mais do mesmo, sua função já foi cumprida. Não dá pra dizer que O Mal que nos Habita vá agradar aos fãs de ‘jump scares’, mas a estranheza impregnada nos planos, o aspecto doentio que o filme encara, sem derramar tais questões o tempo todo, é seu aspecto qualitativo mais evidente. Quando um ser recém acidentado se pronuncia com a cabeça aberta, ou toda a sequência envolvendo o internato se apresenta, definitivamente temos a certeza de não ter encontrado qualquer novo exemplar. Ainda que a empolgação tenha parecido exagerada, O Mal que nos Habita ao menos tenta olhar para outros lados, com intenção de acertar.
Um grande momento
Uma criança e um martelo