Crítica | Streaming e VoD

O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino

Material traído

(The Hatchet Wielding Hitchhiker, EUA, 2023)
Nota  

A Netflix encontrou um filão nos documentários ‘true crime’ (ou ‘crime verdadeiro’, vamos trazer pra nossa língua, né?), como A Garota da Foto, e pelo menos uma vez por mês chega um novo, para que também saibamos como esses fatos bizarros que acontecem nos EUA são ininterruptos. Esse O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino é o primeiro de 2023 e não define nada muito diferente do que temos visto, cujo tom sensacionalista vai num crescendo, chegando até a buscar posicionamento particular a respeito do caso, sem se preocupar com isenção, com o desenrolar dos eventos. Trata-se de uma grande reunião de eventos que ocorreram durante três meses em 2013, e que acabam por revelar maiores complexidades sobre um jovem com tendências destrutivas. 

O filme é dirigido por Colette Camden, que tem bastante experiência com documentários, em longa ou série, e aqui não faz nada de inovador no conceito desse tipo de produção que a Netflix tem popularizado. Apresenta-se a história real, com a qual o personagem se notabilizou positivamente, e as camadas seguintes apresentam então o lado sombrio do tipo. Através de entrevistas com pessoas que o conheceram e se aproximaram do andarilho Kai, o filme mapeia a história desse rapaz que viralizou com uma atitude heróica através de uma reportagem local, virando uma subcelebridade em questão de dias. Como se trata de um tempo muito exíguo de acontecimentos, o filme não busca uma maior extensão de suas pretensões. 

O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino
Netflix

É aquele tipo de material feito para ser consumido pelos viciados de um gênero que se torna cada vez mais viciante para seus iniciados, e que a pandemia do covid-19 ergueu com força. O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino não passa de uma colagem de reportagens, pouca dramatização (geralmente utilizada para efeitos práticos e rápidos) e uma ideia de dramaturgia veloz, para consumo imediato. As ‘cabeças falantes’ estão a postos como sempre, e o filme não se pretende a qualquer apuro estético que seja, diferente de alguns exemplares do gênero. É material de pouco apuro quando não consegue nem ao mesmo entrevistar uma quantidade eficiente de personagens, mantendo o mínimo possível em relevância, como se tudo já fosse de prévio conhecimento e compreensão. 

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O que desequilibra negativamente a produção é a sua tendência a direcionar o espectador a uma ideia específica, que nesse caso em particular deveria ser menos engessada. Tendo em vista que qualquer obra de audiovisual já se estabelece como algo destituído de isenção e passível de julgamento, a forma como O Mochileiro Kai é conduzida trai seu personagem e as pessoas que passaram por ele, inclusive suas muitas “vítimas”. A última imagem do personagem é especificamente um momento definidor de como a produção o vê, eximindo do espectador qualquer possibilidade de elaborar um pensamento crítico. Isso acaba, por final, também maculando a imagem da obra, tendo em vista que seu lugar já está definido e pronto para ser deglutido, sem perspectiva de debate. 

O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino
Netflix

Sem uma abordagem mais amplificada do caráter psicológico de seu protagonista, cujo passado reaparece na reta final com importância ínfima, e sem explorar as potências de cada personagem, O Mochileiro Kai: Herói ou Assassino acaba criando uma armadilha para suas próprias intenções. Ao deixar claro como vê aquele homem, o filme escolhe não oferecer opções para o espectador, mas ao conduzir de maneira tão leviana a abordagem familiar de Kai, carrega o espectador de volta a um lugar do desconhecido, quando tem aparentes armas em mãos para apresentar complexidades maiores. O filme não termina por provocar dúvidas positivas, por provocar certo incômodo por ter tido acesso a uma maior compreensão emocional de um personagem tão rico, e abriu de um certo requinte emocional por uma tese já concluída pelo projeto. Uma pena. 

Um grande momento

A entrevista com Jimmy Kimmel

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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