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O Lado Bom de Ser Traída

Cadê esse lado?

(O Lado Bom de Ser Traída, BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Romance, Erótico
  • Direção: Diego Freitas
  • Roteiro: Camila Raffanti
  • Elenco: Giovanna Lancellotti, Leandro Lima, Camilla de Lucas, Breno Montaleone, Micael Borges, Drayson Manezzes, Louise D'Tuani
  • Duração: 88 minutos

Ninguém, em sã consciência, deveria ter inveja do sucesso (cheio de poréns) de algo como Cinquenta Tons de Cinza, na versão que for – literária ou cinematográfica. Mas milhões são milhões, e mesmo que tenham sido repletos de revezes, tal “obra” acendeu um fogo nas editoras e produtoras, todas querendo reproduzir os efeitos causados por Christian Grey e cia. Nessa esteira, nasceu algo ainda mais medonho como a trilogia 365 Dias, também em versões para ler e para assistir, graças à Netflix. Aí virou febre mesmo, e todo mundo quer ter a sua “saga sexual muito moderna/nada moderna, que já era exibida há 30 anos atrás no Cine Privê”. Na nossa encarnação brasileira, ela atende pelo nome de O Lado Bom de Ser Traída e, como os anteriores, é um senhor sucesso que rompeu barreiras mundo afora. 

Pois bem. Diego Freitas, o promissor cineasta por trás do delicioso Tire 5 Cartas, capitaneia a nau da vez, mas – na boa? – não é culpado de absolutamente nada do que vemos. Essa produção é algo pensado por fora da direção, e o canal de streaming só contratou alguém para sentar na cadeira de um produto que já estava todo programado antecipadamente à sua chegada. Sim, ele agora desfruta dos louros do sucesso, mas esse filme aconteceria exatamente como vemos com ele ou sem ele, e literalmente poderia ter sido qualquer um ali. O Lado Bom de Ser Traída não tem qualquer valor autoral por trás de sua veste progressista sobre o que uma mulher pode fazer de bom ao adquirir liberdade; estou sendo bem bonzinho de encontrar uma moral decente para a produção. 

Na verdade, estamos diante de mais um produto extremamente machista que foi vendido para mulheres, e por isso precisa (mal) disfarçar suas possibilidades de misoginia que são acessadas a torto e a direito. É um passatempo cheio de doses de um pretenso tesão que não chega na página 5 das suas intenções, porque as cenas de sexo em sua imensa vontade de explicitar algo, não explicitam nada e não agregam qualquer valor erótico. Quando penso do tanto que foi falado de coisas como 9 ½ Semanas de Amor por seu conteúdo machista, ou Instinto Selvagem pela misoginia, ou Atração Fatal por ambas as coisas, e hoje esses filmes continuam sendo debatidos… onde estará O Lado Bom de Ser Traída daqui a 30 anos? 

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O mais estranho é que todas essas obras são escritas por mulheres, aqui Sue Hecker na versão em páginas e Camila Raffanti na versão em movimento. Não vou tentar ler porque mulheres precisam escrever esse tipo de coisa para ganhar dinheiro, mas é um atestado muito doentio do lugar das coisas, onde escritoras precisam ceder ao que lhes mutila para ter espaço no mercado. O Lado Bom de Ser Traída, caso não seja percebido, não tem nada de libertador, avançado ou empoderador, porque todas as vezes em que Babi poderia criar uma nova narrativa para si, ela tornava a obedecer códigos que regem a sociedade há mais de 200 anos. E, porque não basta Babi para certificar, ainda temos uma personagem como Paula em cena, mulher “desequilibrada” que precisa ser afastada da filha, ao adoecer pela perda de um macho. É sério, Brasil? Em 2023?

O sucesso de O Lado Bom de Ser Traída desmente um tal estudo recente, que diz que a geração jovem da atualidade prefere romance a cenas de sexo. Bom, pode até ser que uma parte da juventude pense assim, mas duvido que seja a maior parte. O moralismo responde a um questionário como esse, porque a verdade é que a putaria poucas vezes vendeu tanto e teve tanto respaldo no gosto popular. Não há interesse em produzir material do gênero que promova algum debate real, e também mostre tudo que está sendo esperado. Além de tudo, na semelhança esperada com o material que a Rede Bandeirantes exibia há 30 anos, tais imagens privilegiam a timidez, com bundas masculinas, seios femininos e púbis de ninguém; ora bolas, se querem ser realmente explícitos e sacanas, nos deem ao menos o que poucos cineastas deram. 

Na contramão do que gostaríamos também, temos a típica fotografia ruim com luzes muito cafonas explodindo os corpos besuntados de óleo de sempre. Tudo parece um grande comercial – de móveis planejados, de showroom de apartamentos que não serão vendidos, de maquiagem barata, de roupas de gosto duvidoso, de motel fuleiro. O Lado Bom de Ser Traída, por fim, nem revela o tal lado bom de levar chifres; seria borrar o rímel de maneira artificial, ou negar qualquer mínima interação sexual? Seria espremer o seio contra o vidro do chuveiro, ou transar no meio de um lodaçal no litoral? Ficamos na vontade de saber, mas a essa altura… pra quê serve uma crítica de cinema a algo que não apresenta qualquer valor para ser considerado louvável? Aproveitem o prazer (dos outros) e boa diversão. 

Um grande momento

A bunda de Micael Borges

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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