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20ª CineOP: Farol num país de apagamentos

“Num mundo marcado por incertezas e transformações, reafirmar a importância da memória cinematográfica é um gesto de esperança, e a CineOP nos ensina a cada ano que o futuro não se improvisa, ele se constrói com escuta, cuidado, articulação e compromisso.”

A fala é de Raquel Hallak, na abertura da edição que comemora os vinte anos de existência da Mostra de Cinema de Ouro Preto. Duas décadas de um evento único no país que se dedica à preservação, à história e à educação. Criada em 2006, a CineOP traz à histórica cidade mineira uma programação ousada, intensa e abrangente, totalmente gratuita, para apresentar e pensar o audiovisual brasileiro. O evento, que já teve atividades ontem (25), segue até o dia 30 e mescla exibições, debates, rodas de conversa, lançamentos de livros, oficinas, workshop, masterclasses e exposição, além de uma programação cultural com shows musicais, festa junina e cortejo pela cidade.

A cerimônia de abertura aconteceu no Cine-Praça, tradicionalmente montado para o evento na Praça Tiradentes. A performance, com direção de Chico de Paula, uniu declamação, encenação, canto lírico, rock e clipes. A apresentação, como não poderia deixar de ser, ficou por conta de David Maurity. Ele dividiu o palco com as atrizes Inês Peixoto, Adriana e o ator Marcelino Xibil, encarregado de abrir a noite. Uma ária foi executada por Patrícia Cardoso, acompanhada de Anderson Daher, Bruno Alves e Giovanni Santiago. Will Motta ficou responsável pelos teclados no resto da noite, enquanto a trilha ao vivo ficou a cargo de DJ Fê Linz e as projeções de VJ Pyãty.

A noite também contou com homenagens. Nesta edição, a atriz Marisa Orth foi a homenageada da temática histórica. O professor Luiz Vieira recebeu o Prêmio Preservação e a socióloga e educadora Maria Angélica dos Santos o Prêmio Educação

Vocação histórica

Emocionada, Raquel Hallak subiu ao palco para falar sobre os 20 anos da mostra. Ela lembrou a importância da memória para a construção de um país, destacando que são as as imagens e os sons do passado, documentados, preservados, estudados, compreendidos, transmitidos, que constroem o tecido simbólico de uma cultura. A diretora do evento ressaltou que o patrimônio audiovisual brasileiro representa sua história, arte e sociedade e a preservação é uma ação estratégica para o desenvolvimento, devendo fazer parte da vida social e política do Brasil.

“A CineOP nasceu com essa vocação histórica. Num país onde a preservação cultural enfrenta a descontinuidade de políticas públicas, escassez de investimento e negligência histórica com acervos; onde a memória é muitas vezes apagada, a mostra se impôs por duas décadas como referência ética, institucional e simbólica. Criou um ambiente único onde se debatem o passado, o presente e o futuro do cinema brasileiro”, afirmou.

Acervos resgatados, histórias recontadas políticas semeadas

A história do evento também foi lembrada, a resistência mesmo com o corte de verbas, oscilações políticas e pandemia de Covid. Para Hallak, os 20 anos da CineOP são “mais que uma celebração, uma convocação, uma afirmação de que preservar a cultura é um ato de soberania, de cidadania, de projeto de país; é uma ponte entre tempos, contextos, saberes; é luta; é conhecimento; é pertencimento coletivo; é referência nacional e internacional em preservação”. 

Na CineOP ocorrem dois importantes eventos audiovisuais: o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e o Encontro da Educação, em parceria com a Rede Kino. São espaços inéditos de formação coletiva que já apresentaram resultados práticos, em especial na orientação de políticas públicas, como na elaboração do Plano Nacional de Preservação Audiovisual e do Programa Nacional de Cinema na Escola. Além disso, a mostra também ampliou o conhecimento sobre preservação e acesso aos acervos, promoveu a abertura do Brasil ao diálogo internacional sobre preservação e reafirmou o cinema como linguagem pedagógica.

“Vinte anos depois, a CineOP segue sendo farol num país de apagamentos e descontinuidades. Ela permanece, não apenas por sua constância, mas por sua relevância. Porque um país que abandona a sua memória, sua cultura e sua educação perde pouco a pouco sua capacidade de imaginar o futuro”, afirmou a diretora do evento e da Universo Produção. Ela ainda reafirmou seu compromisso com o cinema patrimônio, reforçando que preservar o cinema brasileiro é estratégico para o desenvolvimento do país, assim como educar com imagens é semear consciência, e contar nossa história – com todas as suas complexidades e contradições – é um gesto necessário para que o Brasil possa se reconhecer e se reinventar. 

“Que os próximos anos sejam marcados pela ampliação dessas conquistas, pela inovação e pelo compromisso inabalável com nosso patrimônio audiovisual. Preservar não é só guardar, é dar sentido, dar acesso, dar continuidade à nossa própria história. É também cuidar do nosso futuro e essa construção é coletiva”, finalizou.

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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