- Gênero: Drama
- Direção: Volker Schlöndorff
- Roteiro: Günter Grass, Jean-Claude Carrière, Volker Schlöndorff, Franz Seitz
- Elenco: Mario Adorf, Angela Winkler, David Bennent, Katharina Thalbach, Daniel Olbrychski
- Duração: 142 minutos
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Em 1979, com tantas ditaduras pelo planeta ainda consolidadas, com um acúmulo de guerras ininterruptas, e aproveitando o olhar que a contracultura tinha jogado sobre o que poderia ser considerado “padrão”, um filme como O Tambor só poderia mesmo acender discussões. Mais de 40 anos depois de seu lançamento, a ode à rebeldia, seu apreço pelo colapso comportamental, são datados se julgados à luz de 2022. O consagrado longa de Volker Schlöndorff reafirma que obras, imortais ou não, precisam ser analisadas também no contexto de seu tempo, e do que estava sendo consumido e reverberado à sua realidade.
Schlöndorff, hoje com 83 anos, segue em atividade e lança novo filme esse ano, mas já não conta com o mesmo prestígio que os anos 70 e 80 lhe deram, no qual esse título tem papel seminal. O nome do diretor foi desde então atribuído a um lugar de prestar tributo à quebra de expectativas pessoais diante de instituições e comportamentos vigentes, dirigindo obras de igual leitura, como O Viajante e Um Amor de Swann. Sua pontualidade no cinema, que nunca o transformou em um trabalhador incansável, também se fez notar diante dessa exploração contínua temática, sobre o que nos move diante de uma sociedade que espera de nós a perpetuação de uma vigência.
É nesse lugar de domínio de sua própria história que encontra-se Oskar, a criança eterna que protagoniza O Tambor. Aos 3 anos, Oskar provocou uma queda que lhe renderia a consequência que o tornaria único, perante o seu entorno – ele jamais cresceria, e eternamente manteria sua aparência infantilizada. Essa teimosia em obedecer o que a própria existência propõe lhe colocaria como um destaque entre os seus, que nunca dariam valor ao que ele promove, enquanto ser pensante: não acatar o que lhe foi estabelecido socialmente, e reverberar sua voz dissonante mesmo quando não fora suscitado.
Naqueles idos, o que Schlöndorff tentava perpetuar era o inconformismo vigente entre os artistas, e em como a pureza de sua ideologia poderia ser usada a favor do horror, contra o que eles mesmos pregavam. Oskar era senhor de suas ações, não se curvava a ninguém, e assim conseguiu avançar no tempo sem perder sua identidade, sendo fiel a sua imagem. Quando é cooptado, aos poucos, para alegrar soldados nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, servindo a uma mal disfarçada trupe de circo – ainda que envernizada – Oskar, aos poucos, perde as cores que eram parte de sua exuberância. O filme alerta contra as forças enviesadas que deturpam a personalidade, transmutando o que é único em ordinário.
A força alegórica de O Tambor é vigente em qualquer época, mas suas ferramentas se apresentam hoje com vigor diminuído. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes (em empate com All That Jazz), não se trata de uma produção esquecível ou comum, mas seu toque surrealista foi absorvido pelo cinema de maneira direta, e aceita prontamente pelo público. Por muitos anos se montou como uma marca registrada do que era considerado bom cinema de autor essa visão fantástica dentro de um cenário banal, que rasgasse a tradição clássico-narrativa com uma visão exuberante revelada pela fantasia. Hoje, o filme sobrevive graças ao impacto de sua parábola, muito mais que de suas imagens.
A própria realização, de caráter agudo em seus closes e sua textura quase artesanal, de contornos levemente artificiais, reforça as ideias do filme e de sua premissa, mas não colabora para torná-lo perene. O filme tenta encarcerar seus personagens em uma linguagem visual minimamente grotesca, para que seus personagens percam essa característica diante da imagem. Esse artifício, no entanto, é reconhecível, assimilado e então descartado pela produção, que não alude a esse sentimento com a constância necessária para se fazer especial. Em 1979, uma preocupação com o politicamente correto era nada premente, mas ainda assim se fazia perceber que seu diretor demonstrava que Oskar (e futuramente seu grupo) era o que de menos incômodo havia naquele universo.
Algo permanece intocado aqui, através do tempo, e para além da ideia base servida no livro de Günter Grass. Está no olhar de David Bennent toda a carga equilibrada de medo, empáfia, doçura, arrogância, inocência, que um personagem como Oskar almejava encontrar em um intérprete. Através das reações do pequeno grande ator de 12 anos em nuances complexas de serem alcançadas, o filme se escora de maneira certeira. Bennent precisou incorporar o personagem durante duas décadas inteiras, conseguindo essa façanha sem caricaturar o cerne narrativo, ou seja, sem perder o espectador. Sua mistura de estupor com o estado absurdo das coisas com uma fúria indomável é o que transformou o filme desde então, e é ela quem segue mantendo a relevância maior de O Tambor.
Um grande momento
As freiras na praia
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